quarta-feira, 31 de março de 2010
terça-feira, 30 de março de 2010
Libelo
De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar - e um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol para pescar?
E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma pro caniço outro pro queixo, que é para ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar a tristeza, e um pouco de pensamento para pensar até se perder no infinito...
- Mas o mar está preso em correntes, e é preciso por ele lutar!
De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra - um pedaço bem verde de terra - e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim - que um jardim é importante - carregado de flor para cheirar?
E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para mexer na terra e arranhar uns acordes no violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque para puxar mistério, que casa sem mistério não vale morar...
- Mas a terra foi escravizada, e é preciso por ela lutar!
De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar - basta olhar -, um amigo desses que desmereça um pouco de amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo de casa e de bar?
E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo?
- Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!
De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular? E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o desatino o carrega em sua onda sem rumo? Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher - as únicas coisas livres que lhe restam pra lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo...
Vinicius de Moraes, Abril de 1950 {Para uma menina com uma flor}
sábado, 27 de março de 2010
Sintonia
Um pedaço de nós está em cada fotografia
Em cada casa que moramos ecoa nossa alegria
E olhos alheios insatisfeitos e ciumentos
Inventam, difamam nosso amor pelos ventos
Mas nada é capaz de mudar este alento
É dupla carne num só sentimento
É dupla caminhada num só pensamento
Nosso amor é viva poesia
Não tem fim ao escurecer da noite
Nem acaba quando nasce o dia
É assim doce como melodia
E quem quiser olhar que ria
Porque é simples, beleza e alegria
Em cada casa que moramos ecoa nossa alegria
E olhos alheios insatisfeitos e ciumentos
Inventam, difamam nosso amor pelos ventos
Mas nada é capaz de mudar este alento
É dupla carne num só sentimento
É dupla caminhada num só pensamento
Nosso amor é viva poesia
Não tem fim ao escurecer da noite
Nem acaba quando nasce o dia
É assim doce como melodia
E quem quiser olhar que ria
Porque é simples, beleza e alegria
Nossa eterna sintonia
Sara Almeida
Sara Almeida
quarta-feira, 24 de março de 2010
Paciência
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência..."
(Lenine)
terça-feira, 23 de março de 2010
Som do coração
Muitas manhãs preciso voltar a mim mesma, num tempo e espaço diferente dos que tenho aqui.
Aquele tempo que as estrelas cadentes brilhavam bem no momento do pedido como passe de mágica.
Tempo que as nuvens formavam belos desenhos no céu, e a única coisa que sabia delas é que eram idênticas ao algodão doce do parque, por muito tempo ninguém foi capaz de me tirar esta fantasia.
As casas eram cheias, e as mesas tinham sempre bolos, biscoitos feitos naquele mesmo dia. Desse tempo que ficou tão distante, ainda sinto as texturas, as cores, os cheiros e os sabores.
O cheiro das pessoas as vezes é trazido pelo vento e consigo ouvir até a conversa de outrora.
Sou capaz de descrever cada detalhe do que vejo nesse paraíso do passado, há pormenores sentidos aqui dentro, até me lembro como era fechar os olhos ao balançar na rede e ouvir meu coração.
Quando ouvia meu coração daquela maneira, além dos batimentos de um músculo involuntário, não tinha em mim o peso das mágoas, eu voava bem longe sem sair daquele ir e vir do balançar.
Aquele tempo vivia num lugar seguro, um lugar seguro dentro de mim, lugar que há muito me esqueci.
Muitas manhãs preciso reaprender o que fui, pois as vezes pareço saber só o que é estar aqui, sentir o que é daqui. E fico cansada, com vontade de desistir de mim, pois não sou daqui. Sinto um nó em mim.
Fico cansada por que aqui tudo pesa mais, e os sorrisos são raros, os bolos são mofados, e a rede é antiguidade.
Cada vez que volto aquele lugar distante, numa tarde quente, ou numa noite de música, seja lá qual for o cenário me faz mais leve e capaz de misturar a parte boa do que fui com a parte necessária do que sou.
E todos os dias me vejo reaprendendo a ser eu, misturando os sentimento daqui e de lá, e aprendendo a misturar o ser e o estar para novas lembranças formar e novas estrelas apreciar.
Aquele tempo que as estrelas cadentes brilhavam bem no momento do pedido como passe de mágica.
Tempo que as nuvens formavam belos desenhos no céu, e a única coisa que sabia delas é que eram idênticas ao algodão doce do parque, por muito tempo ninguém foi capaz de me tirar esta fantasia.
As casas eram cheias, e as mesas tinham sempre bolos, biscoitos feitos naquele mesmo dia. Desse tempo que ficou tão distante, ainda sinto as texturas, as cores, os cheiros e os sabores.
O cheiro das pessoas as vezes é trazido pelo vento e consigo ouvir até a conversa de outrora.
Sou capaz de descrever cada detalhe do que vejo nesse paraíso do passado, há pormenores sentidos aqui dentro, até me lembro como era fechar os olhos ao balançar na rede e ouvir meu coração.
Quando ouvia meu coração daquela maneira, além dos batimentos de um músculo involuntário, não tinha em mim o peso das mágoas, eu voava bem longe sem sair daquele ir e vir do balançar.
Aquele tempo vivia num lugar seguro, um lugar seguro dentro de mim, lugar que há muito me esqueci.
Muitas manhãs preciso reaprender o que fui, pois as vezes pareço saber só o que é estar aqui, sentir o que é daqui. E fico cansada, com vontade de desistir de mim, pois não sou daqui. Sinto um nó em mim.
Fico cansada por que aqui tudo pesa mais, e os sorrisos são raros, os bolos são mofados, e a rede é antiguidade.
Cada vez que volto aquele lugar distante, numa tarde quente, ou numa noite de música, seja lá qual for o cenário me faz mais leve e capaz de misturar a parte boa do que fui com a parte necessária do que sou.
E todos os dias me vejo reaprendendo a ser eu, misturando os sentimento daqui e de lá, e aprendendo a misturar o ser e o estar para novas lembranças formar e novas estrelas apreciar.
Sara Almeida
segunda-feira, 22 de março de 2010
O Louco
Perguntais-me como me tornei louco.
Aconteceu assim:
Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: “Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”
Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.
E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: “É um louco!”
Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: “Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”
Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.
E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: “É um louco!”
Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez minha face nua.
Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei: “Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!”
Assim me tornei louco.
E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.
Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei: “Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!”
Assim me tornei louco.
E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.
Gibran Khalil Gibran
sexta-feira, 19 de março de 2010
pozinho mágico
Ali bem ao pé de mim a felicidade escancarada, como se me convidasse a um passeio eterno.
Não sou criança sei bem que nada é eterno, mas entreguei aquele dia, aquela hora, aquele momento e segui a aventureira felicidade.
Descobri coisas inimagináveis, irrepetíveis. A maioria das pessoas normais não entenderia, só as loucas, sonhadoras e sentimentais como eu. Porque cada vez que a felicidade vem é a mesma e é diferente.
As vezes parecíamos voar, aliás tinha tanta certeza de estar no ar, quando olhava para baixo sentia pena de quem lá estava.
Sentia até uma certa culpa sabe, por estar assim em êxtase, mas eu tive coragem e então merecia gozar cada segundo ao lado da felicidade.
Não pude ficar por lá muito tempo, ela seguiu sozinha, foi capturar alguma nova criatura tão aberta a aventura quanto eu.
Eu que estava bem cansada não seguia aquele ritmo por muito tempo, já ia tudo virando rotina.
Mas fui ardilosa, e fiz um pacto com esta tão cobiçada felicidade. Concordamos bem que de tempos em tempos ela me visitaria e eu simplesmente me entregaria sem hesitar.
Viesse ela como fosse, colorida ou não, em forma de sentimento ou direção, eu simplesmente pegaria em sua mão e flutuaria sem direito a sim ou não.
E assim tem acontecido, quando menos espero, ela vem resplandecente, entra pela janela, ou abre a porta aos gritos, assim sem me avisar de antemão, só sei que é ela quando já não tenho os pés no chão.
E me entrego, aos sorrisos e lágrimas de alegria, consciente que não tem luz no mundo capaz de acender a vida uma vez apagada, pois a vida é assim como um pozinho mágico que quando menos esperamos acabou. Enquanto a luz brilha a felicidade pode aparecer ao menos um segundo, em qualquer lugar do mundo, é só deixar ela entrar e voar!
Sara Almeida
Não sou criança sei bem que nada é eterno, mas entreguei aquele dia, aquela hora, aquele momento e segui a aventureira felicidade.
Descobri coisas inimagináveis, irrepetíveis. A maioria das pessoas normais não entenderia, só as loucas, sonhadoras e sentimentais como eu. Porque cada vez que a felicidade vem é a mesma e é diferente.
As vezes parecíamos voar, aliás tinha tanta certeza de estar no ar, quando olhava para baixo sentia pena de quem lá estava.
Sentia até uma certa culpa sabe, por estar assim em êxtase, mas eu tive coragem e então merecia gozar cada segundo ao lado da felicidade.
Não pude ficar por lá muito tempo, ela seguiu sozinha, foi capturar alguma nova criatura tão aberta a aventura quanto eu.
Eu que estava bem cansada não seguia aquele ritmo por muito tempo, já ia tudo virando rotina.
Mas fui ardilosa, e fiz um pacto com esta tão cobiçada felicidade. Concordamos bem que de tempos em tempos ela me visitaria e eu simplesmente me entregaria sem hesitar.
Viesse ela como fosse, colorida ou não, em forma de sentimento ou direção, eu simplesmente pegaria em sua mão e flutuaria sem direito a sim ou não.
E assim tem acontecido, quando menos espero, ela vem resplandecente, entra pela janela, ou abre a porta aos gritos, assim sem me avisar de antemão, só sei que é ela quando já não tenho os pés no chão.
E me entrego, aos sorrisos e lágrimas de alegria, consciente que não tem luz no mundo capaz de acender a vida uma vez apagada, pois a vida é assim como um pozinho mágico que quando menos esperamos acabou. Enquanto a luz brilha a felicidade pode aparecer ao menos um segundo, em qualquer lugar do mundo, é só deixar ela entrar e voar!
Sara Almeida
terça-feira, 16 de março de 2010
Marcas pelo caminho
Me sinto triste,
triste por errar tanto,
e erro tanto por imaturidade,
buscando certezas num mundo incerto
É fácil escrever,
difícil é sobreviver.
Deixando para trás pessoas reais,
em busca de sonhos,
encontrei pesadelos.
Pesadelos que passam…
Marcas que ficam!
Sara Almeida
triste por errar tanto,
e erro tanto por imaturidade,
buscando certezas num mundo incerto
É fácil escrever,
difícil é sobreviver.
Deixando para trás pessoas reais,
em busca de sonhos,
encontrei pesadelos.
Pesadelos que passam…
Marcas que ficam!
Sara Almeida
PS: Encontrei este texto perdido em meio as cartas antigas, no papel data 2001, não me lembrava, mas a letra é minha, as cartas também são. Então fui eu em algum lugar do caminho que passei...
domingo, 14 de março de 2010
suaves dilemas
No carro (parte II)
-Somos felizes?
Ele todo com segurança típica:
-defina felicidade.
-defina felicidade.
-Eu não defina tu, eu perguntei primeiro.
Ele fica em silêncio um curto espaço de tempo, e diz:
- felicidade é cada ato que tomamos em prol de nós mesmos, felicidade dura pouco mas é intenso e inesquecível. Cada pequena coisa que conquistamos, mesmo as materiais, naquele momento é a felicidade, depois passa e queremos ser mais e ter mais felicidade. Felicidade é busca constante, quando paramos por um momento e não buscamos nada, olhamos para tudo que temos, e por tudo que lutamos e vemos todos os atos em prol da felicidade e aí é uma felicidade imensa.
-Então este carro é nossa felicidade?
-sim, até que o tempo passe e desejamos outro, ele é enquanto isso nossa felicidade. Felicidade é a mistura de pequenas alegrias, é a nossa atitude que dá somente consequências boas.
-Então nós somos felizes?
-até que ficamos tristes, antes disso e depois disso, somos felizes demais.
Ela olha para ele com grande admiração e pensa que ele é a maior felicidade. Pergunta então:
-Você está feliz?
Ele olha para ela e apenas diz:
-já falamos sobre isso.
Ela sorri, um riso suave e doce...
Ele responde com outro sorriso, e segue o caminho de sempre, para o refúgio de sempre, com a companhia de sempre, e por enquanto a felicidade de sempre.
-Você está feliz?
Ele olha para ela e apenas diz:
-já falamos sobre isso.
Ela sorri, um riso suave e doce...
Ele responde com outro sorriso, e segue o caminho de sempre, para o refúgio de sempre, com a companhia de sempre, e por enquanto a felicidade de sempre.
Sara Almeida
sexta-feira, 12 de março de 2010
nem sol, nem lua
O dia foi chegando ao fim e todos os sons foram se dissipando. Os sons vão ficando mais altos, e depois mais baixos até desaparecerem. O sol já foi embora, a lua se escondeu.
Até que chegue o som do silêncio, das ideias arrebatadoras, antes disso muitos sons se propagam, muitas formas de vida vem até mim em forma de palavras, de sons imaginativos e depois me entrego ao sono como de manhã me entreguei a luz do sol.
Enquanto ouço diversas coisas que durante o dia me passam despercebidas, apetece carimbar tudo no papel, tudo o mais claro e perceptível possível, é solitário a falta de sono, mas é também interessante se prestarmos atenção ao que a noite oferece.
Consigo ouvir cada movimento dos vizinhos, do lado direito o choro da criança que chegou ao mundo faz poucos dias, chora desesperadamente como se soubesse mais do que precisa. Do lado esquerdo um cão solitário, que as vezes encontro nos passeios matinais, este coitado chora por falta de espaço posso sentir isto pelo som que ele reproduz, deveria ser punido o dono que cria este bicho assim sem ter como dar saltos altos e latidos com ecos. No apartamento de cima músicas variadas dependendo do humor do dia, e tem dias que consigo ouvir os murmures do casal que acabou de iniciar a relação.
Da rua os barulhos são diversos, o barulho do comboio que durante o dia é quase mudo, agora parece que vai passar por cima de mim, no princípio da noite é de dez em dez minutos e vai diminuindo o ritmo até o último desfile nos trilhos. Ainda assim, após o último comboio passar, quando o silêncio parece ser total, consigo ouvir os risos dos jovens num café-bar da rua de trás, bêbados e confusos a procura de suas casas.
Toda a confusão do dia desaparece, e a noite serena cala todos os ruídos, eu continuo aqui escutando o respirar tranquilo do meu amor, o tic-tac do relógio, o ziguezagueado do lápis no papel branco, que era para anotação de estudos e acaba aqui cheio de ideias e impressões minhas como sempre. Apetece levantar e digitar as ideias, mas aqui a luz fraca do criado é tão tranquilizante, e de pensar em levantar o sono vem em forma de preguiça. As ideias continuam fervilhando na mente, mas de repente já estou quase dormindo. Levemente adormeço, e num piscar de olhos o dia nasce outra vez, o último som de antes de dormir e o primeiro na hora que acordo é bem conhecido, o som dos constantes devaneios.
E mais um dia que o relógio determina a sequência dos meus passos, mas não a responsabilidade dos meus atos. Mais um dia misturada aos sons e barulhos do mundo aí fora, que as vezes sorri para mim, mas também chora. E quando acabar este dia volto aqui para libertar as ideias e enclausurar os medos. Um dia cheio, pessoas em volta, vitórias e derrotas, e no fim sempre só, companheira das próprias ideias, amiga do silêncio, amante do som mudo.
Até que chegue o som do silêncio, das ideias arrebatadoras, antes disso muitos sons se propagam, muitas formas de vida vem até mim em forma de palavras, de sons imaginativos e depois me entrego ao sono como de manhã me entreguei a luz do sol.
Enquanto ouço diversas coisas que durante o dia me passam despercebidas, apetece carimbar tudo no papel, tudo o mais claro e perceptível possível, é solitário a falta de sono, mas é também interessante se prestarmos atenção ao que a noite oferece.
Consigo ouvir cada movimento dos vizinhos, do lado direito o choro da criança que chegou ao mundo faz poucos dias, chora desesperadamente como se soubesse mais do que precisa. Do lado esquerdo um cão solitário, que as vezes encontro nos passeios matinais, este coitado chora por falta de espaço posso sentir isto pelo som que ele reproduz, deveria ser punido o dono que cria este bicho assim sem ter como dar saltos altos e latidos com ecos. No apartamento de cima músicas variadas dependendo do humor do dia, e tem dias que consigo ouvir os murmures do casal que acabou de iniciar a relação.
Da rua os barulhos são diversos, o barulho do comboio que durante o dia é quase mudo, agora parece que vai passar por cima de mim, no princípio da noite é de dez em dez minutos e vai diminuindo o ritmo até o último desfile nos trilhos. Ainda assim, após o último comboio passar, quando o silêncio parece ser total, consigo ouvir os risos dos jovens num café-bar da rua de trás, bêbados e confusos a procura de suas casas.
Toda a confusão do dia desaparece, e a noite serena cala todos os ruídos, eu continuo aqui escutando o respirar tranquilo do meu amor, o tic-tac do relógio, o ziguezagueado do lápis no papel branco, que era para anotação de estudos e acaba aqui cheio de ideias e impressões minhas como sempre. Apetece levantar e digitar as ideias, mas aqui a luz fraca do criado é tão tranquilizante, e de pensar em levantar o sono vem em forma de preguiça. As ideias continuam fervilhando na mente, mas de repente já estou quase dormindo. Levemente adormeço, e num piscar de olhos o dia nasce outra vez, o último som de antes de dormir e o primeiro na hora que acordo é bem conhecido, o som dos constantes devaneios.
E mais um dia que o relógio determina a sequência dos meus passos, mas não a responsabilidade dos meus atos. Mais um dia misturada aos sons e barulhos do mundo aí fora, que as vezes sorri para mim, mas também chora. E quando acabar este dia volto aqui para libertar as ideias e enclausurar os medos. Um dia cheio, pessoas em volta, vitórias e derrotas, e no fim sempre só, companheira das próprias ideias, amiga do silêncio, amante do som mudo.
Nem sol, nem lua, somente eu.
Sara Almeidaquinta-feira, 11 de março de 2010
aquela que sorri
A pior criatura
O pedaço do que não tem cura
O olhar insatisfeito
O toque em desespero
A última migalha
Viagem ao espaço sem escala
Mergulho no buraco negro
Um eterno desespero
Um pensar que não tem fim
Perdida dentro de si
Onde esta aquela
Que admirava aquarela
A menina doce de face terna
Afogou-se, tolheu a parede da hipocrisia
Guardou tudo numa sala fria
Não come, não bebe, não fala
Escuta, dorme e cala
Sofre de uma dor tremida
Acuada, alma arrulhada
Já não passa dos limites
Acumula sentimentos
Odeia gente, e sente, sente…
Quer soltar se das correntes
E então acreditar novamente
Antes disso mais um andar
Pela mente, suavemente
Deve estar por algures
Algum traço daquela
A que não teme a fera
A que voa, que ri e espera
Num canto qualquer
Estará a que antecede a dúvida
O pedaço do que não tem cura
O olhar insatisfeito
O toque em desespero
A última migalha
Viagem ao espaço sem escala
Mergulho no buraco negro
Um eterno desespero
Um pensar que não tem fim
Perdida dentro de si
Onde esta aquela
Que admirava aquarela
A menina doce de face terna
Afogou-se, tolheu a parede da hipocrisia
Guardou tudo numa sala fria
Não come, não bebe, não fala
Escuta, dorme e cala
Sofre de uma dor tremida
Acuada, alma arrulhada
Já não passa dos limites
Acumula sentimentos
Odeia gente, e sente, sente…
Quer soltar se das correntes
E então acreditar novamente
Antes disso mais um andar
Pela mente, suavemente
Deve estar por algures
Algum traço daquela
A que não teme a fera
A que voa, que ri e espera
Num canto qualquer
Estará a que antecede a dúvida
E começa a duvidar
Em algum canto desta mente
Deve estar escondida
Num lugar perto do mar
No frescor da brisa e no raio solar
Em algum canto desta mente
Deve estar escondida
Num lugar perto do mar
No frescor da brisa e no raio solar
Talvez até no campo dourado dos sonhos
Lá onde gente vale pouco
E se sente mais um pouco
Onde pensar não deixa louco
Só sendo esta e aquela
Para encarar tanta fera
E ser parte da esfera
Para ser, fazer, sentir e sorrir, sorrir e sorrir…
Lá onde gente vale pouco
E se sente mais um pouco
Onde pensar não deixa louco
Só sendo esta e aquela
Para encarar tanta fera
E ser parte da esfera
Para ser, fazer, sentir e sorrir, sorrir e sorrir…
Sara Almeida
terça-feira, 2 de março de 2010
Esquadros
Estava eu a ouvir Esquadros de Adriana Calcanhoto, quando lembrei-me de uma sugestão da minha amiga Flávia Escarlate do cantinho encarnado, encantador e inteligente da blogosfera.
Num dos textos que postei falava sobre meu gosto pela música, a Flávia incitou me escrever sobre a música que marcou minha vida e porque. Pensei, e porque não postar esquadros que é uma música que ouço muito e que descobri aos meus treze anos, desde então pulo de janela em janela a prestar atenção nas cores, e nas dores das pessoas.
Vivia eu na minha janela dos treze anos, insatisfeita com as mudanças físicas e psicológicas, típicas de uma menina curiosa e as vezes mal criada, além de todos os problemas tinha o infeliz fato de ter um problema de saúde e estar num hospital. Divertia aquela gente toda, e ninguém divertia a mim.
Lembro me de ouvir a música e me sentir a própria música, vendo o mundo no escuro dos quartos do hospital a noite, e descobrindo um mundo, bem diferente de tudo que conhecia.
Daquela janela para esta que hoje estou existem dois lados, muito mudou e muito continua igual. Ainda olho pelas janelas, observo gente, e descubro mais de mim. De lá para cá descobri que escapes como escrever, pintar, ver filmes, ouvir músicas, não substituem as voltas pelas janelas do mundo. Não é possível ficar o tempo todo na janela, é preciso usar as portas.
Coisas mudam e situações permanecem, os meninos que têm fome são agora pais de meninos com mais fome. Também tenho minha fome, e poucos amigos.
Ainda grita ali bem no fundo a pergunta: quem é ela? Quem é ela?
Tem muita coisa nas caixas quadradas lacradas, muito a perceber.
E aquela que sou corre para quê? Corre para onde?
As janelas não trazem respostas. A vida parece um quadro, daqueles que a gente nunca encontra a moldura certa, as cores são tiradas ou acrescentadas, e a moldura fica sempre imperfeita.
Num dos textos que postei falava sobre meu gosto pela música, a Flávia incitou me escrever sobre a música que marcou minha vida e porque. Pensei, e porque não postar esquadros que é uma música que ouço muito e que descobri aos meus treze anos, desde então pulo de janela em janela a prestar atenção nas cores, e nas dores das pessoas.
Vivia eu na minha janela dos treze anos, insatisfeita com as mudanças físicas e psicológicas, típicas de uma menina curiosa e as vezes mal criada, além de todos os problemas tinha o infeliz fato de ter um problema de saúde e estar num hospital. Divertia aquela gente toda, e ninguém divertia a mim.
Lembro me de ouvir a música e me sentir a própria música, vendo o mundo no escuro dos quartos do hospital a noite, e descobrindo um mundo, bem diferente de tudo que conhecia.
Daquela janela para esta que hoje estou existem dois lados, muito mudou e muito continua igual. Ainda olho pelas janelas, observo gente, e descubro mais de mim. De lá para cá descobri que escapes como escrever, pintar, ver filmes, ouvir músicas, não substituem as voltas pelas janelas do mundo. Não é possível ficar o tempo todo na janela, é preciso usar as portas.
Coisas mudam e situações permanecem, os meninos que têm fome são agora pais de meninos com mais fome. Também tenho minha fome, e poucos amigos.
Ainda grita ali bem no fundo a pergunta: quem é ela? Quem é ela?
Tem muita coisa nas caixas quadradas lacradas, muito a perceber.
E aquela que sou corre para quê? Corre para onde?
As janelas não trazem respostas. A vida parece um quadro, daqueles que a gente nunca encontra a moldura certa, as cores são tiradas ou acrescentadas, e a moldura fica sempre imperfeita.
Mas continuo olhando, buscando e colorindo, pela janela…
Sara Almeida
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