domingo, 29 de novembro de 2009

Tem gente...

Tem gente que gosta da gente, gosta mas a gente não sente.
Tem gente que fala que gosta da gente, mas nos faz sentir doente.
Tem gente que ama tanto a gente, que basta nos ver sorridentes.
Tem gente que por precisar da gente, se faz clemente.
Tem gente que não gosta da gente, mesmo assim convive com a gente.
Tem gente que não gosta da gente, nem nos quer ver a frente.
Tem gente que convive com a gente nos manipula e mente.
Tem gente mais bonito que a gente, também mais indecente.
Tem gente mais feia que a gente, mas com beleza simplesmente.
Tem gente que é diferente da gente, que nos respeita completamente.
Tem gente que sente como a gente, porque é gente como a gente.
Tem gente que se engana com a gente, mas que também engana a gente.
Tem gente diferente, que parece não sentir o que é ser gente.
Tem gente que é mais que gente, as vezes até inocente.
Tem gente tão deprimente, até um animal é mais comovente.
Tem gente que nunca sonha, nem nunca luta, fica parada ou demente.
Tem gente fria e gente quente, fala azeda ou docemente, felizes ou doentes.
Tem gente que quer a vida da gente, mas não trabalha ardentemente.
Tem gente como a gente, que vive a vida com a gente, que sente a dor da gente.
Tem gente imperfeita como a gente, que apesar da dura luta sempre vence.
Tem gentes e gentes, depende do que se sente.
Sara Almeida

O poeta é um fingidor

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

De Fernando Pessoa

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Orquestra de brilho

Todos os anos luzes de Natal chegam de mansinho, feito vaga-lumes a piscar numa orquestra de brilho silenciosamente bela. Novos sentimentos nascem, mas as velhas lembranças suavemente renascem…
Distante deste brilho, rodeado pelo verde da mata, pelos sons da natureza vivia um menino que via este brilho ao longe quase apagado, mas sabia que existiam nas cidades punhados de estrelas que poderiam ser tocadas com as mãos. Que a cada novo Dezembro elas surgiam e embelezavam a vida dos habitantes que deviam ser felizes com este brilho tão lindo que ele podia ver dali daquele cantinho do mundo.
Do cantinho de sua cama, Garibaldi olhava pela janela e imaginava que as luzes do Natal deviam ser tão lindas e tão brilhantes quanto as luzes das estrelas que iluminavam seus pensamentos o ano todo. E se forem tão mágicas como a Lua, assim como dizia o senhor que trazia as cartas, aí terá valido a pena esperar até ser grande e colocar suas próprias estrelas brilhantes na casa que terá na cidade.
Segundo o senhor que entregava cartas a cidade tem coisas de todos os tamanhos, formas e cores, e assim as estrelas que os homens da cidade fazem para o Natal devem ser coloridas, por isso ainda mais bonitas do que as do espaço. O menino sempre pensou que faltavam cores nas estrelas.
O menino adorava o espaço, olhava as estrelas todas as noites e dava-lhes nomes bonitos como os nomes das moçoilas que os irmãos mais velhos enamoravam. Adorava tudo que brilhasse, ali naquele pedaço de terra onde vivia com sua família Garibaldi não tinha mesmo nada mais que brilhasse, pois não tinha energia elétrica e tinha que se contentar com a fraca e escassa luz do velho lampião de seu finado pai.
Todos os anos Garibaldi esperava ansiosamente o Natal, ainda que não entendesse o porque, achava tudo que lhe contavam desta data lindo e brilhante. Apesar da desaprovação de todos, o menino montava sua árvore com os galhos secos, que ele mesmo apanhava, e atava penduricalhos diversos. Sempre existiu o Natal para ele, na escuridão da noite os pensamentos brilhavam.
O menino queria crescer logo, mudar-se para a cidade de luzes, esperar o Natal como sempre sonhara. Quanto mais escutava as histórias da cidade ainda mais queria aventurar-se. Sentia-se sozinho ali no escuro da floresta, ainda que rodeado de entes queridos, e não importava de ficar só na cidade rodeado de luzes que ele próprio daria o brilho.
Garibaldi nasceu do acaso, vivia com poucos recursos, pouco carinho, e educação quase não lhe davam. O pouco que aprendia era sempre com o senhor que trazia as cartas. Mas o menino tinha um brilho próprio, um desejo de ser alguém, uma beleza singela, uma força singular.
Apesar de todos os desafios encontrados Garibaldi nunca deixou apagar em seu coração a coragem de desejar. Fez esforços extraordinários para realizar seu primeiro desejo, o de morar numa cidade que tivesse luzes. Cada vez que nasce Dezembro renasce em Garibaldi aquele menino sonhador que nunca o deixa esquecer do cantinho de onde ele veio, mas acima de tudo sempre o faz lembrar de que pode ir a muitos outros cantos desde que acredite em si.
Garibaldi cresceu só, aprendeu só, tornou-se um presente para si próprio.
O Natal escuro daquele menino, hoje é colorido e brilhante, tem o brilho de todas as luzes que ele é capaz de pintar. E principalmente as estrelas e a Lua ainda iluminam os caminhos deste menino que tornou-se homem, mas ainda guarda a magia de criança. Tem agora ao seu lado Beta, a estrela maior de sua vida. Há pessoas que não se apagam.
Se cada luz de Natal correspondesse a um Garibaldi, o planeta seria ainda mais brilhante e feliz. E o Natal teria um significado realmente puro.
Sara Almeida

Lado a lado

Quantos lados você tem?
O lado do bem e o do mal também.
O lado que magoa e o que quer bem.
O lado seu e o que lhe fica bem.
Tantos lados você tem!
Tem o lado belo e aquele outro que não quero.
O lado de menino e outro de animal faminto.
O lado suave e aquele rude.
Aquele frio e estúpido, contraposto com o carente.
O lado do dia, e tem dias.
O lado da noite, que acalma até a fala.
Tem assim estes lados:
De presente a desagrado.
E quanto mais encontro os segredos dos seus lados
Mais me agarro ao seu abraço.
O lado oposto ao seu cansaço.
O lado que te guia os passos.
E além dos lados que você tem:
Tornou-se um dos meus lados também.
Sou agora mais um lado que você tem.
Sara Almeida

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Coisas desenfreadas

Sempre escrevo coisas desenfreadamente, coisas pequenas do meu quotidiano e coisas grandes e profundas do meu coração, embora escrever seja uma das melhores coisas para mim tudo que escrevo passado algum tempo parece ridículo, ou é como se alguém mais inteligente e criativo já tivesse escrito a respeito de tudo e já não me resta o que dizer.
Ainda assim continuo a pensar que escrever é mais que um prazer, a mim parece mais uma devoção. Nos momentos mais inoportunos vem em minha mente as melhores frases, as palavras mais significativas, o elogio ou crítica com mais astúcia que já pude dizer, escrever ou se quer pensar quando necessário.
Na calada da noite quando todos estão a dormir e eu tenho mesmo que descansar, pois no outro dia tenho sempre uma longa jornada, aí vem aquela voz interior a me dar sentenças a respeito de tudo que já vivi, lembrando-me de coisas já adormecidas.
Quando estou atarefada com qualquer situação da qual não posso me ausentar, aí vem ela com a deixa perfeita para a introdução daquele livro que um dia quando menina pensei que talvez num futuro promissor pudesse escrever.
Tentei em muitas ocasiões apenas afastar esta voz, enganá-la dizendo que assim que tiver em casa, ou num sábado que não farei nada importante, quem sabe quando comprar uma mesa e cadeira confortáveis poderei então estar horas a fio escrevendo todos os assuntos que tenho aqui guardados.
Porem estando decidida a começar colocar todos os sentimentos para fora descubro que a voz ainda cá está, por vezes inoportuna que quer dividir as belas coisas da vida em qualquer momento e lugares, ingénua não sabe que para isso terá que detalhar os subterfúgios. Já outras vezes ela é a que não me deixa ir a lado algum, a que deixa tudo para quando comprar isto, quando ter aquilo, é aquela que confunde o medo com racionalidade, e é na verdade uma falta de fé que joga tudo fora antes mesmo de tentar arrumar.
Vou tentar usar as melhores lembranças, cada uma delas, para fazer um relato de mim e dos meus. Por enquanto deixo os dedos deslizarem delicadamente, e na mente a voz da minha essência ditar palavras, e conto o que ouço aqui dentro sem grandes expectativas. Escrevo para me sentir viva. E vai assim nascendo e renascendo coisas, vou observando tudo na intensidade da respiração, e assim nasce uma nova história. Calo-me até a próxima história ganhar vida, e a vida ganhar uma nova história.
Sara Almeida

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Clarabela

Clarabela era uma menina matreira, com uma mente ativa e fértil, sonhava com o dia em que fugiria do quintal de sua mãe para conhecer coisas do mundo, como as que a professora lhe contava nas histórias lidas na escola.
Queria navegar para além das ruas que caminhava todos os dias, ver o verde em outros tons, ouvir os pássaros de outras paisagens, sentir cheiros diferentes daqueles que já faziam parte de si.
Certo dia ouviu na rádio uma notícia sobre o Egipto, ficou completamente fascinada, e decidiu naquele mesmo momento que ainda iria visitar as Pirâmides de Gizé, ainda que lhe custasse muito, trabalharia o suficiente para esta viagem.
A menina passou a se deliciar imaginando que quando chegasse a este lugar de nome tão engraçado, subiria as tais pirâmides e lá do cimo olharia o mundo todo, sentia-se até tonta antes mesmo de lá estar.
Mal sabia o quão longe ficavam as pirâmides, e quando sua mãe lhe contou achou que era mais uma mania da mãe de lhe afastar das diversões.
Perguntou a professora se do alto das pirâmides seria possível ver a escola, a professora admiradora das invenções de Clarabela não teve coragem de dizer que não. A menina então concluiu que o caminho para as pirâmides devia começar por aquela rua por trás da sua casa, pois a mãe sempre lhe proibia de lá ir, e de certeza era por medo de a perder de uma vez por todas. Sim porque Clarabela teria coragem de ir muito além de sua cidade para descobrir todas as coisas bonitas do mundo.
Num fim de tarde de verão saiu para um passeio com o avô, que era uma criatura muito querida e o único adulto inteligente que ela conhecia, além da professora é claro. A menina estava radiante, pois com o avô aprendia coisas indispensáveis, só não percebia porque sua mãe nunca aprendeu grandes coisas, mas ficava calada e ouvia.
O avô de Clarabela, explicou-lhe que o Egipto ficava muito distante, depois do mar, pessoas do mundo todo iam visitar as pirâmides, falou sobre a cultura, e as antigas dinastias do Egipto. O que deixou a menina ainda mais interessada, e com pena da professora que afinal nem sabia tanto sobre as coisas do mundo.
Clarabela ficou muito feliz foi por finalmente perceber que sua mãe tinha razão em muitas coisas e que não a queria em perigo, o único problema que ainda a atormentava é que a mãe ia ficar para sempre naquele quintal e ela queria ir mais além, e pelos vistos teria de ir sozinha.
O Egipto continuou nos planos, e outros mais surgiram. Com a ajuda do avô a menina conheceu histórias do velho continente: suas guerras, descobertas, construções e filosofias. Clarabela queria conhecer tudo e saber as outras línguas, e sentiu que mesmo que não fosse ao Egipto, Itália, França, Patagónia, e todos os outros lugares com nomes tão lindos, ainda assim poderia sempre viajar nas histórias, perder-se nos sonhos ao ouvir palavras lindas de outro habitante de um quanto qualquer do mundo.
Se o avô que nunca saiu daquela pequena cidade era tão sábio, é porque ela também poderia ser, como o avô disse: “o conhecimento não tem fronteiras.”
A pequena crescia feliz e astuta, com um mundo todo a sua frente, cheia de desejos, sonhos e planos dentro do coraçãozinho inocente.
Clarabela, era clara e bela, com cabelos soltos castanhos dourados, olhos cor de mel, curiosos e profundos. Não sei dizer onde foi parar aquela menina, que bela mulher tornou-se, nem em quantos mares navegou.
Vez ou outra invade meus pensamentos com seu ar de boneca e histórias de mundos novos repletos de coisas bonitas.
Clarabela era daquelas pessoas que acrescenta ao mundo uma pitada de magia.
A última vez que a vi estava apaixonada por balonismo. Se calhar voa de uma cidadela a outra enfeitiçando a todos com suas fantasias de menina. Quem sabe até sobrevoou as pirâmides com seu próprio faraó a bordo.
Sara Almeida

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Arte repetida

O que seria da vida sem a melodia de uma boa música a fazer bailar nosso corpo ainda que completamente imóvel;
O que seria da vida sem um filme que a história seja tão bela que nos transportemos a ela como personagens principais;
O que seria da minha vida sem o trocar de nossas palavras…
O que seria de mim sem ler as palavras tuas e sabê-las minhas ainda que meu sentimento seja completamente diferente do seu;
O que seria do mundo sem a arte para tapar os buracos abertos pela estupidez humana…
A arte pode ser ternura pura de uma alma impura!
Qualquer forma de arte tem o poder de traduzir imensos sentimentos numa simplicidade única;
Escrever pode ser arte para acalmar meus pensamentos aflitos.
Música é arte para estabilizar minha desorientação.
Arte é tudo que não é belo mas tem a forma que a beleza deseja ver;
Arte é singular.
Arte, para mim, é aquilo que faz chorar feliz meu coração.
Viver pode ser uma arte.
Basta ver com os olhos de beleza tudo que esta por trás da tristeza;
Sou eu a própria arte de artistas amadores:
Nunca fui planejada;
Outras de mim tentaram vir...
Fui esculpida num lapso de desejo,
Emoldurada com amor imaturo e conveniente.
E saí arte do que a beleza desejou ver.
E desde que me vi arte inacabada de seres utópicos,
Me entreguei metade a realidade, metade a fantasia da essência que me foi dada.
Agora sou uma música sem arranjo.
Um filme sem roteiro.
Um livro sem título.
Uma história repetida cada vez que a palavra é escrita.
Sou como tu: mais uma, menos uma…
Vim de milhares, e de milhares faço parte.
Em busca da minha maneira de fazer arte.
Sara Almeida

domingo, 15 de novembro de 2009

Espaço vazio

Ando perdida em meus pensamentos
sufocada por ideias impensáveis
sofrendo de uma mal sem cura
o mal de mim mesma
sem sentido para vida
tem em mim um buraco gigante
astro nem estrela será capaz de preencher
é um vazio comum a qualquer humano
apenas eu o admito
apenas eu faço perguntas
apenas eu sei que as perguntas não tem repostas
qualquer tentativa de entendimento seria um falhanço
sou eu por mim e contra mim
tenho muitas coisas
mas o ter é pouco
o saber nunca é suficiente
minha mente esta a cada dia mais ativa
e não tem nada a ver com distúrbios psíquicos ou falta de amor próprio
com tristeza ou confusões sociais
tem a ver com a realidade
com a certeza de que o nada existe
e meu tudo é muito profundo
quanto mais penso menos sinto
porque ter este vazio é o mesmo que não sentir
o ar esta a entrar e sair mecânicamente de mim
e o frio que congela meu corpo é menor do que aquele que dominou minha alma
minha alma que é a essência desconhecida
é a força que luta para dominar-me
enxergo através de um clarão um buraco negro e profundo
não existe um mundo
isso tudo parece mais uma invenção qualquer de um ser que nunca foi nada
como uma onda de fumaça que pode ter forma de tudo e na verdade não ser nada
sou um pensamento perdido
um desejo reprimido
um olhar cego
um beijo seco
um toque amortecido no ar
sou um não ser e viver
um estar e não fazer
sou a cada dia menos do que fui
e a cada segundo mais do que desejei
e não há remédio, não há esperança e nem fé
nada pode parar o turbilhão de porquês que flutuam em mim
sou assim um começo sem fim
perdida dentro de mim
Sara Almeida

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Essência Concreta

Despreocupada, flexível, inebriada…
Talvez até embriagada de um contentamento tolo
É assim que sigo, quer queira quer não
Terei que partir sempre de algum lugar
E partirei em direção a outro lugar qualquer
Entre escolher a opção e aceitar a imposição
Obriguei-me a escolher a opção imposta
Por mais livre pareço ser
Sou na verdade brutalmente aprisionada
Num sistema de fatos, atitudes e situações
Não agrada-me em nada ver e fingir não enxergar
Sentir e me camuflar
Perceber meus pensamentos gritantes e calar
Mas o que me agrada é pouco importante
Sou apenas um grão de areia
Uma gota do oceano
Uma partícula não condensada
Sou tão pequena quanto isso
Me refugio nas palavras obscuras e metafóricas
Porque se dizer tudo aquilo que ecoa na massa cinzenta pensante
Talvez transgrida leis e decretos
Tratados e regulamentos
Que na realidade não são respeitados
Por aqueles que os infundiram
Tenho que seguir sempre
E juntar-me a uma massa (es)calada, (des)acomodada, (in)conformada
E ver tudo passar como um filme claro e colorido
E ser um espectador cinzento
Pois se for preto ou branco, oito ou oitenta
Serei taxada como rebelde
Então por ora fico domesticada
Até que o silêncio das minhas palavras seja maior
Que a minha embriaguez tola
Quem sabe assim serei a própria essência
E de abstrata a concreta eu atinja a minha meta
Ainda que pequena como um grão
Ou sensível como uma gota
Mas fundamental como uma partícula.
Sara Almeida

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Da chegada do amor

Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis um amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.

Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.

Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis um amor
que não se chateasse
diante das diferenças.

Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.

Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério;
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que sua estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis um amor que amasse.

(por Elisa Lucinda, do livro "Euteamo e suas estreias")

Vestida de Brisa


Foi-se para mais uma tarde feliz.
Com um desconhecido muito conhecido.
Vestiu-se de si mesma.
Despiu-se daquela que a ocupa dias a fio.
Vi-a passar. Vi-a desaparecer.
Caminhou ligeiramente, até meus olhos não a verem.
Foi-se velozmente. Nem meus pensamentos a acompanharam.
Por umas horas será da maneira que se vê realizada.
Por umas horas será intensamente completa. E distante.
Será de uma maneira como deseja ser o tempo todo.
De uma maneira que eu temo.
Temo que ela se perca de sim mesma.
E não seja nem esta que me choca, nem aquela que me alegra.
Porque no fundo ela é mais que qualquer uma dessas que se mostra.
No fundo dela tem coisas belas. Tudo muito bem escondido.
Como surpresa guardada em caixinha colorida.
Mais parece uma menina perdida nas ilusões da vida.
Envolta nas preocupações e na eterna procura de respostas.
Foi-se em busca da paixão. Com medo de acabar na solidão.
Antes de acabar o dia vi-a voltar. Talvez mais feliz, e ainda sozinha.
Sara Almeida

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Aroma do amar

Esta noite acordei perdida, como um barco em alto mar.
Sozinha e contraída na minha vida de sentir. É assim que fico sem você aqui.
Sim existem duas vidas, a vida que levo contigo e a outra de sentir quando não esta comigo.
O barco voltará ao porto e você para o meu corpo. Mesmo assim todo velejar solitário, e por vezes necessário, trás dor.
Se consigo viver assim sempre? Consigo, mas é sobreviver despedaçada, opaca e trêmula.
Como o barco no balanço do mar. E num mar bravo e ameaçador.
Nasci sem ti, mas foi nos seus abraços que me encontrei completa.
Porque de tudo que vivi, foi só a ti que absorvi, da minha pessoa resta a mistura daquela que você descobriu com esta que evoluiu.
Seria menos dolorido navegar solitária, sentir a maresia, se não conhecesse seu cheiro.
O tempo que nos separa é pouco. Mas insisto em decorar seu rosto, olho a foto na cabeceira. Você sorri para mim, como se eu fosse a mais bela.
Com você posso ser, posso ter, posso querer, posso simplesmente desaparecer.
Você sempre me busca, me encontra e me acompanha na minha ciranda.
Eu consigo sentir você, sinto que quanto mais o mar balança o barco mais perto estou dos seus braços.
Quando o mar acalmar, o barco ancorar, você vem me amar.
Vou inalar todo o seu cheiro, cercar todo seu corpo, vou te prender de novo até a próximo navegar.
Por que amar é isso, inspirar e expirar o outro, de dentro para fora: calmamente, livremente, docemente...
De outro modo não é amor.
Sara Almeida

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Experiência

Já fiz cócegas à minha irmã só para que deixasse de chorar.
Já me queimei a brincar com uma vela.
Já fiz um balão com pastilhas que me colou a face toda.
Já falei com o espelho.
Já fingi ser bruxo.
Já quis ser astronauta, violinista, mago, caçador e trapezista.
Já me escondi atrás da cortina e deixei esquecidos os pés de fora.
Já estive sob o chuveiro até fazer chichi.
Já roubei um beijo, confundi os sentimentos, tomei um caminho errado e ainda sigo caminhando pelo desconhecido.
Já raspei o fundo da panela onde se cozinhou o creme.
Já me cortei ao barbear-me muito apressado e chorei ao escutar determinada música em público.
Já tentei esquecer algumas pessoas e descobri que são as mais difíceis de esquecer.
Já subi escondido até o terraço para agarrar estrelas.
Já subi a uma árvore para roubar fruta.
Já caí por uma escada.
Já fiz juramentos eternos, escrevi no muro da escola e chorei sozinho no quarto por algo que me aconteceu.
Já fugi da minha casa para sempre e voltei no instante seguinte.
Já corri para não deixar alguém chorar.
Já fiquei só no meio de mil pessoas sentindo falta de uma única.
Já vi o pôr-do-sol mudar do rosado ao alaranjado.
Já mergulhei na piscina e não quis sair mais.
Já tomei Whisky até sentir meus lábios dormentes.
Já olhei a cidade de cima e nem mesmo assim encontrei o meu lugar.
Já senti medo da escuridão.
Já tremi de nervos.
Já quase morri de amor e renasci de novo para ver o sorriso de alguém especial.
Já acordei no meio da noite e senti medo de me levantar.
Já apostei a correr descalço pela da rua, gritei de felicidade, roubei rosas num enorme jardim.
Já me apaixonei e achei que era para sempre, mas era um "para sempre" pela metade.
Já me deitei na relva até de madrugada e vi o sol substituir a lua.
Já chorei por ver amigos partir e depois descobri que chegaram outros novos e que na vida é um ir e vir permanente.
Foram tantas as coisas que eu fiz, tantos os momentos fotografados pela lente da emoção e guardados neste baú chamado coração.
Agora, um questionário pergunta-me, grita-me desde o papel:
" - Qual é a sua experiência?"
Essa pergunta fez um eco no meu cérebro.
"Experiência...Experiência..."
Será que cultivar sorrisos é experiência?
Agora agradar-me-ia perguntar a quem redigiu o questionário: "
Experiência?! Quem a tem, se a cada momento tudo se renova???"

PS: Recebi o texto sem identificação do autor, não poderia deixar de postar. Seja quem for o autor tem uma linda experiência de vida.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Completamente Inacabada

Impar
Inquieta
Imprecisa
Incógnita
Imprópria
Impaciente
Incorrigível
Inflamável
Imprevisível
Impertinente
Inconstante
Intempestiva
Incansável
Impossível
Intensa
Implicante
Impulsiva
Incisiva
Infrene
Indisciplinada
Insubstituível
Instintiva...

I M P E R F E I T A!!!

Sei que sou imperfeita...Mas é minha imperfeição que dá o devido sabor a quem me ama!!!

Alegre Despertar

A diferença entre uns e outros está mesmo na cor.
Não na cor da pele e sim na cor do desejar.
No acordar, é a-cor-dar, não no levantar.
Acordar todos os dias para pincelar, cada milésimo de segundo vivido.
Recebi um texto de um grande amigo falando que a-cor-dar ,
é puro e simplesmente colocar o coração em tudo que se faz.
E ainda fazer mais, descobrir que despertar é como desapertar,
desprender e relaxar, seguir leve e solto.
Então só colocar o coração não basta, e desapertar também não, se este for sem cor.
Tem que ser um coração com cor e dispor.
Cada um de nós tem um caminho a seguir, a diferença é que uns seguem um caminho escolhido e desejado.
Outros seguem um caminho pré-determinado e sem nenhuma força de vontade.
Não significa que aqueles felizes no caminho escolhido não possam mudar, é óbvio que podem. E os que não estão contentes não só podem como devem.
Se vivemos uma só vez, claro que há quem pense que não, enquanto não temos prova disso devemos viver intensamente.
Viver intensamente a dar cor, e desapertar dos problemas não significa não tê-los ou fugir deles. Temos mais é que ser intensos e realistas, chorar se o choro brotar, rir se o riso afrouxar.
Ser feliz ou ser triste não existe. Existe o estar feliz ou estar triste.
Os mais importantes nutrientes de uma planta são captados pela raiz. A raiz é que faz com que a planta amadureça, claro que os fatores externos acrescentam, mas sem a raiz não acontece desenvolvimento.
Nós todos temos raízes, muitas vezes não absorvemos os nutrientes que elas nos trazem, desperdiçamos, por que não sabemos despertar e acordar. O sol brilha nos chamando quase todos os dias. E quando o nevoeiro ou a chuva vem, não quer dizer que o sol foi embora, é aí que estamos aprendendo e quando sol vir poderemos crescer com mais sabedoria “nutriente”.
Acordar para as pequenas coisas e despertar para grandes pessoas aí está o segredo.
Não temos que ignorar as coisas ruins, ou as pessoas não boas, apenas devemos superar e ultrapassar. Acordando e Despertando a cada dia, num sorriso, numa lágrima, num desabafo, num abraço. Nos superar, e fazer tudo aquilo que queremos e que nos faça bem, e que até agora tivemos medo ou vergonha.
Porque daqui a pouco pode não existir, daqui um tempo podemos não conseguir.
Seja sozinho ou acompanhado tem caminhos para todos os lados.
A realidade está acesa todos os dias bem cedo e caminha seja no claro ou no escuro.
Vamos com ela atear o lume, porque depois pode ser tarde para despertar, e hoje não é tarde para recomeçar.
Sara Almeida

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Para lá e para cá

Dois países Uma língua
Dois falar Um sentir
Uma palavra Dois sentidos
Um sentido Dois agir
Eu balbucio sua fala
Tu apontas minhas falhas
Eu escrevo uma linha
Em seguida tu alinhas
Tu agrafas essa folha
Eu grampeio numa boa
A rapariga aqui trás flores
Noutro lado sente amores
Eu entendo sua língua
Tu percebes minha rima
Numa amizade tão querida
Tu és linda bailarina
Por cá apaixona-te
Todos os dias
Lá está apaixonada
O tempo todo
Num adorável mundo novo
As palavras se misturam
A língua que é só uma
Vira duas melodias
Uma ríspida e seca
Outra doce e arteira
Com todas as diferenças
Vence a convivência
Num mundo de tantas crenças
Mistura se até a descrença
As raças se concentram
E as línguas apimentam
Nossa cultura vira uma
Nossa alegria divide em duas
Aqui vem primeiro a Lua
Lá o sol ainda aquece a rua
Quero voltar para minha casa
E tu queres fugir da sua
Quando a tristeza aqui chegar
Saiba que lá também é seu lugar
Podemos sempre recomeçar
Seja a cantar ou dançar
Mesmo com um mar a separar
Eu serei sempre seu par
Vamos sorrir a bailar
Podem não saber por cá
Mas é certeza por lá
Que Bailarina não pode chorar.
Sara Almeida

domingo, 1 de novembro de 2009

Singularidades

Não sofremos tanto por esperar muito de uma pessoa e ela não corresponder a nossa expectativa. Sofremos muito mais porque não poderemos voltar a esperar algo dessa pessoa do que pelo fato dela não nos ter satisfeito.
Sofremos por nós, por termos errado em relação a algo.
Penso que as pessoas são todas diferentes e únicas, mas temos todos sentimentos claros e objetivos, não são os sentimentos que atrapalham as coisas e sim a quantidade, intensidade, e forma de usá-los.
Não concordo que todos tenham valores e conceitos guardados, há por aí montes de pessoas sem nada para oferecer, que nem sabem o que significa isso.
E dizem que a verdade é relativa, e não é, não existe meio-termo entre verdades e mentiras, ou é ou não.
Em certas questões não acredito em dúvidas, todos nós sabemos bem o que é certo ou errado, se não decidimos é por medo ou covardia, por desejo próprio e nada mais.
Como seres irracionais e imperfeitos podemos até inventar os nossos porquês, porém no fundo de nós está a verdadeira resposta. Claro que as ações dos outros nos impele a tomar atitudes, ainda assim existe a boa e a má atitude em todos os casos.
Todas as minhas ações na vida, seja por que razão julgo ter sido, são únicas e exclusivas opções minhas, mesmo que outros tenham interferido de alguma maneira eu tive que permitir, não foi o universo, nem força superior que fez as coisas como são.
Li que se alguém te trair uma vez pode a culpa se atribuir a ele, mas se alguém te trair duas vezes a culpa é tua, e é mesmo. Nenhum de nós damos tudo o que podemos dar, damos o que achamos suficiente, mas tem sempre mais dentro de nós, até para nós mesmos. Se todos oferecessem o que tem para dar, os bons seriam melhores, mas os maus seriam piores.
O que venho a concluir que poderia ser ao contrário: se os maus dessem menos maldades poderiam ser melhores e se os bons dessem menos bondade viriam a ser menos bons? ! Cada qual tem suas expectativas e desejos na vida, o que muda é que uns usam o que tem de bom em si para alcançá-las e outros desviam-se ou derrubam quem está à frente ou ao lado até conseguir.
Não me parece errado as pessoas sonharem em terem coisas materiais, e também não é errado as pessoas dizerem não a quem lhes pedem ajuda, todos temos direitos a ter coisas e não dividi-las, porque na verdade todos deveriam ter oportunidades sem que precisassem de ninguém a não ser os seus próprios esforços.
O erro é tentarem ter as coisas ludibriando e mentindo aos outros.
Os piores não são aquele que declaram-se nossos inimigos, são piores aqueles fantasiam-se de nossos amigos.
Bom seria nos assumirmos logo como somos, o que não gostamos, o que não queremos, e é claro que não é fácil sermos assim transparentes.
Somos seres indescritíveis, por bons que sejamos existe uma parte obscura que nos permite errar, erramos demais.
Viver pode ser perigoso. E o pior perigo de todos pode estar em nós mesmos. Dos outros fugimos, os outros ignoramos, com os outros brigamos, e com nós mesmos o que fazer, quando e como?
Por isso insisto que ninguém por mais entendimento ou evolução que tenha consegue passar a vida em paz consigo mesmo. Com o passar dos anos venho percebendo que com a idade e conhecimento podemos nos tornar ainda mais infelizes e sofredores, é só olhar em volta que perceberá que quanto menos inteligente e curiosa uma pessoa é, menos ela fica se questionando sobre as coisas.
E venho percebendo também que a tristeza é tão importante quanto a alegria para formação do caráter.
Para quem não conhece os números pouco lhes importam as matemáticas
Para quem nunca leu bastam as vogais, mas para quem domina o alfabeto as palavras não são suficientes, precisamos de versos, estrofes, sonetos, e infinidades de perguntas e respostas, isso é perguntas sem respostas.
E na vida é assim, quanto mais descobrirmos mais queremos saber, em contrapartida percebe-se que talvez seja melhor não sabermos, é uma confusão de ideias e sentimentos que não tem volta.
Parece mesmo verdade que as pessoas são perfeitas e interessantes quando não as conhecemos. Mas é claro que o que torna essa vida ainda suportável é o fato de uma pequena quantidade de pessoas ao nosso redor ainda continuam perfeitas e interessantes, mesmo quando descobrimos seus erros e defeitos. E se construir sonhos grandes em cima de pessoas pequenas parecer um erro, não há com o que nos preocuparmos, pois o melhor é que os sonhos podem mudar de lugar, de objetivos, de tamanho, a qualquer hora basta usarem aquilo que realmente é nosso: o poder de decisão.
Afinal as decisões só dependem de nós, pois não existe destino existem atitudes.
Sara Almeida
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