quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Viver despenteada

Hoje aprendi que é preciso deixar que a vida te despenteie, por isso decidi aproveitar a vida com mais intensidade…
O mundo é louco, definitivamente louco…
O que é gostoso, engorda.
O que é lindo, custa caro.
O sol que ilumina o teu rosto enruga.
E o que é realmente bom dessa vida, despenteia…
- Fazer amor, despenteia.
- Rir às gargalhadas, despenteia.
- Viajar, voar, correr, entrar no mar, despenteia.
- Tirar a roupa, despenteia.
- Beijar a pessoa amada, despenteia.
- Brincar, despenteia.
- Cantar até ficar sem ar, despenteia.
- Dançar até duvidar se foi boa ideia colocar aqueles saltos gigantes essa noite, deixa seu cabelo irreconhecível…
Então, como sempre, cada vez que nos vejamos eu vou estar com o cabelo bagunçado, mas pode ter certeza que estarei passando pelo momento mais feliz da minha vida.
É a lei da vida: sempre vai estar mais despenteada a mulher que decide ir no primeiro carrinho da montanha russa, que aquela que decide não subir. Pode ser que me sinta tentada a ser uma mulher impecável, toda arrumada por dentro e por fora, o aviso de páginas amarelas deste mundo exige boa presença: arrume o cabelo, coloque, tire, compre, corra, emagreça, coma coisas saudáveis, caminhe direito, fique seria… é, talvez deveria seguir as instruções, mas quando vão me dar a ordem de ser feliz? Por acaso não se dão conta que para ficar bonita eu tenho que me sentir bonita… A pessoa mais bonita que posso ser!
O único que realmente importa é que ao me olhar no espelho, veja a mulher que devo ser. Por isso, minha recomendação a todas as mulheres: entregue-se, coma coisas gostosas, beije, abrace, dance, apaixone-se, relaxe, viaje, pule, durma tarde, acorde cedo, corra, voe, cante, arrume-se para ficar linda, arrume-se para ficar confortável, admire a paisagem, aproveite, e acima de tudo: Deixa a vida te despentear!
O pior que pode passar é que, rindo em frente ao espelho, você precise se pentear de novo...
autor desconhecido

Menos ou mais

Menos um ano, alguns sonhos realizados, desejos matados outros alimentados,
pequenos pedaços soltaram-se, sentimentos foram sugados.
Mais um ano, para mudar atitudes e criar ideias, para desejar e renovar,
buscar conteúdos, usufruir dos pensamentos positivos, ficar do lado de quem faz bem.
Dizer não quando significar não. E sim se o quiser assim.
Abandonar pessoas, palavras, sentimentos, fugir, desaparecer, ser fiel ao próprio ser.
Um ano a menos, experiência a mais.
Coisas devem ficar para trás, logo a frente a gente é que faz.
Fica tudo bem quando estamos em paz. Em paz até mesmo com nossos erros.
Não se pode cair no erro de não ousar em nosso desejo. Mesmo que desejar não ser nada, e ser tudo, não ter meta nem estatuto, dormir cansada deste mundo e acordar com vontade de mudar tudo.
Ouse, encante, ria, dance, chore, sinta, seja, esteja, beije, verbalize os sentimentos ou sentidos, antes que os anos a menos sejam maiores que os anos que te restam. Menos ou mais quem decide somos nós.
Esqueça tudo e todos e olhe para dentro de você, sinta o que realmente quer ter e ser, faça por merecer. Quem sabe algo novo possa acontecer, só depende de você, faça do novo ano um embarque para uma nova vida, e viva!!!
Sara Almeida

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Simplicidade

Acho a maior graça. Tomate previne isso,cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas não exagere...
Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos.
Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.
Prazer faz muito bem.
Dormir me deixa 0 km.
Ler um bom livro faz-me sentir novo em folha.
Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois rejuvenesço uns cinco anos.
Viagens aéreas não me incham as pernas; incham-me o cérebro, volto cheio de idéias.
Brigar me provoca arritmia cardíaca.
Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.
Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano.
E telejornais... os médicos deveriam proibir - como doem!
Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo, faz muito bem! Você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.
Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde!
E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda! Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mussarela que previna.
Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, uau!
Cinema é melhor pra saúde do que pipoca!
Conversa é melhor do que piada.
Exercício é melhor do que cirurgia.
Humor é melhor do que rancor.
Amigos são melhores do que gente influente.
Economia é melhor do que dívida.
Pergunta é melhor do que dúvida.
Sonhar é melhor do que nada!
(por Luis Fernando Veríssimo)

domingo, 20 de dezembro de 2009

Ancorada

Num caminho de espinhos
mas com flores nos pensamentos
palavras cruéis nos ouvidos
mas bela sintonia no coração
problemas diversos
solução? tempo
meu velho conselheiro
o amor tranquilo no seu sono rotineiro
ainda bem que dormes
quando acordares estará descansado
e mais uma vez cuidará de mim
por enquanto te olho e espero
seu carinho sincero
e as sementes para flores reais
meus olhos não fecham
meus pensamentos não param
o coração bate no compasso da certeza
que quando acordares enxergarei a beleza
pesada ou leve,
espero seu despertar
até de manhã, meu talismã

Sara Almeida

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Minhas palavras

E se antes, bem antes, um pedaço de maçã...

Hoje quero a fruta inteira!

(teatro mágico)




Desde pequena sempre gostei das palavras, primeiro foram as palavras ditas, falei muito cedo, e falava tudo e muito, até cantava e dançava. Mas não fazia isso como forma de estar sendo vista e sim porque me libertava. Falo bastante até hoje, as vezes falo tanto que quando paro sinto um alívio e um medo de ter falado demais. Apesar de muito falar também ouço as pessoas, que tem a estranha mania de me confessar segredos impensáveis, e penso porque a mim? Não sei mas tanto gosto de falar como de escutar, então ouço e calo, depois escrevo. Sim porque desde que me lembro sempre achei lindo escrever. E antes de ter idade de ir a escola achava a coisa mais linda do mundo alguém sair por aí a fora com cadernos, livros, lápis, e todos os materiais necessários para aprimorar o conhecimento, alguém que lia e escrevia só poderia ser boa figura, até fingia ler com qualquer papel nas mãos para parecer importante. Então quando comecei a aprender as vogais, vi um mundo abrir-se a minha frente, e assim que conseguia formar frases não parava de ler, tudo em todos os lugares, qualquer letra para mim era magia. Até hoje se leio uma revista que seja não pulo uma única frase, nada escapa aos meus olhos. Leio rápido, devoro, parece até que não estou a prestar atenção, mas estou sim, absorvo com cada sentido o poder da palavra, seja ela escrita ou falada. E guardo tudo na memória, cada coisa que escrevi até hoje lembro-me bem, e nunca me esqueço das coisas que me dizem. Uma coisa engraçada é que ouço melhor com os olhos abertos, e cheiro melhor com os olhos fechados, sou mesmo uma criatura estranha. Ler e escrever são coisas bastante importantes para mim, talvez como comer, sou gulosa na escrita e na comida. Adoro ler e escrever cartas, embora já não faça e fico triste com isso, minha caligrafia é bonita pena ter ficado no passado a escrita manual. Escrevo e-mails gigantescos, como se fossem cartas, as pessoas queridas que estão distantes. Acho o telefone um mal necessário, não me emociona tanto quanto a escrita. Quando li um livro pela primeira vez tinha eu oito anos de idade, uma das minhas irmãs emprestou da biblioteca pública da nossa cidade, tínhamos uma carteirinha de sócia, engraçado como as coisas mudam rápido. Me lembro bem era “O cachorrinho Samba na floresta” (Maria José Dupré), e segui muitas outras aventuras do Samba, talvez minha querida irmã nem se lembre, mas a partir daquele ato ela me apresentou um mundo novo, e contribuiu para que me tornasse mais esclarecida, sim porque ler é conhecer, o conhecimento é vital para formar uma sociedade saudável. Minha irmã é mesmo boa figura (risos), nunca mais deixei de ler, e foi também ela que me “apresentou” Machado de Assis, e foi Dom Casmurro a primeira obra de Machado que li. Dali para frente tudo que posso ler leio, o que não posso fica na lista de espera. Quando sai do primário e passei a ter mais matérias na escola, achava-me um bicho estranho pois gostava igualmente de matemática e literatura, que raio de pessoa se apaixona por números e palavras com a mesma força. Então dedicava me as fórmulas matemáticas que sinto prazer em resolver, e me escondia nas minhas escritas secretas, que foram todas para o lixo antes de qualquer pessoa ler. Sempre escrevi muito, o fato é que só agora decidi que isso é bom para mim, e até gosto de ler o que escrevo, finjo que não sou eu, e acho até bonito. Gostaria mesmo de ter menos afazeres e poder escrever mais, quem sabe daqui uns anos consiga me refugiar num canto qualquer, com um verde bonito e escrever como se fosse uma necessidade fisiológica, porque é! Por enquanto escrevo pela metade, logo serei só palavras, de olhos fechados e dedos velozes. É o que espero.
Sara Almeida



Ser crescente

Todos os dias me dou conta que viver é puro e simplesmente deixar se levar sem grandes expectativas e sem grandes medos.
Porque ontem o futuro era tão assustador, e este futuro é hoje, e afinal de contas estou conseguindo guiar tudo bem a meu ver ou mal aos olhos dos outros, mas vivo de modo saudável e feliz.
Olho para trás e vejo que aquela pessoa que eu era cresceu imenso, e ainda esta tão pequenina, mas não invisível, apenas cheia de espaços a serem preenchidos.
Continuo aquela caçadora de respostas, que por vezes tem mesmo que inventar respostas para si, como qualquer outra pessoa.
Tem ainda um punhado de sonhos dentro de mim. Mas a realidade rasgou me e por vezes a vida parece inútil, e eu muitas vezes pareço fria e desigual.
Dentro da minha cabeça existe um roteiro de vida para todos, mas meus braços são só dois, e minha força feminina é débil para mudar o esquema das coisas. Então a bela solução é cuidar de tudo que eu possa alcançar sem grandes sofrimentos, pois o pouco bem feito vale mais do que o muito no papel.
A política necessária para o equilíbrio ao meu redor será usada, tanto quanto a ciência, que tanto creio. Mas acima de tudo usarei meu instinto humano.
A cada dia vejo pessoas ao meu redor deixarem de ser humanas, e se transformarem em seres decrescentes. Eu não vou perder a força, sou um ser crescente, e apesar das críticas não temo o futuro, que nem sei se existirá.
Cuido do verde, pois não gosto do opaco. Cuido da água, pois detesto ter sede.
Por hoje sou o amor, e quem sabe o amanhã nem conhecerá a dor.
Sara Almeida

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Guardião

Você que sempre me espera
Faça chuva o faça sol
Você esta sempre lá
Como um guarda costa
Minha proteção
Me desmente e não condena
És como uma corda que eu seguro
E sigo atada as minhas mãos
Devo ser um fardo pesado
Mas acho que você gosta de problemas
Quando não tenho mais força
Vem você com a voz serena
Me empurra para frente
Nunca me deixa parar
Quando penso que vou escorregar
E você esta longe demais
Não você vem mesmo a tempo
Eu nasci defeituosa
Como recompensa tenho a ti
Muitas lágrimas minhas nem sequer escorrem
A pensar em ti só posso sorrir
Como explicar o inexplicável?
É melhor não falar nada
Ficamos assim embalados
Por uma das tantas músicas que gostamos
E os outros todos descrentes do amor
Que pena assim nem o cheiro dele podem sentir
E vamos neste nosso compasso invisível a eles
E vital a nós dois, respirarmos o nosso ar.
Sara Almeida

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Cabo da Roca

Segundo Camões: “onde a terra se acaba e o mar começa…”
Mais um lugar belo no mundo, daqueles que não podia morrer sem lá estar.
E lá estive, e renasci, me encontrei me perdi, chorei e sorri.
Para mim um passeio em mim mesma, onde o corpo se acaba e começa o espírito, onde deixa o ser e começa o sentir.
A expressão do que é belo, bem ali a minha frente, um misto de alegria e melancolia.
Dali do alto vi o sol tocar o mar, e ao beijá-lo me cegar com tanto brilho.
O belo contorno arredondado da linha do horizonte, o limite do além.
O mar a acariciar as rochas com suas ondas espumantes e alvas, mas pareciam brincar num vai e vem dançante.
O mar a mudar de cor a cada olhar meu, usando meus azuis favoritos, fiquei enfeitiçada.
Num silêncio profundo ouvi o som do infinito…
Respirei fundo, ali é o fim do mundo. Era como se ouvisse o canto final da flauta doce, pura melodia.
Tarde fria e sol quente.
Muitas raças, muitas línguas, muitas máquinas a registrar as belezas erguidas pelo homem no cimo do paraíso.
Eu perdida com os olhos contemplando a beleza da natureza. Se morresse ali não tinha mal nenhum, já estava feliz o bastante.
Imagens magníficas visíveis apenas aos sentimentos.
Mais parecia o paraíso, se existe um pode ser este de certeza.
Lá onde acaba a terra e começa o mar, o lado mais ocidental da Europa,
ao pé do fim do mundo ou o começo dele, onde fico mais pertinho do Brasil, e nem por isso mais perto dos meus, na verdade me senti mais distante pela saudade…
Longe de tudo e perto de mim, voei com os pés no chão e cabelos ao vento.
Sara Almeida

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Mundo Corporativo

Todos os dias, a formiga chegava cedinho ao escritório e pegava duro no trabalho. Era produtiva e feliz.
O gerente marimbondo estranhou a formiga trabalhar sem supervisão.
Se ela era produtiva sem supervisão, seria ainda mais se fosse supervisionada.
E colocou uma barata, que preparava belíssimos relatórios e tinha muita experiência, como supervisora.
A primeira preocupação da barata foi a de padronizar o horário de entrada e saída da formiga. Logo, a barata precisou de uma secretária para ajudar a preparar os relatórios e contratou também uma aranha para organizar os arquivos e controlar as ligações telefônicas.
O marimbondo ficou encantado com os relatórios da barata e pediu também gráficos com indicadores e análise das tendências que eram mostradas em reuniões.
A barata, então, contratou uma mosca, e comprou um computador com impressora colorida. Logo, a formiga produtiva e feliz, começou a se lamentar de toda aquela movimentação de papéis e reuniões!
O marimbondo concluiu que era o momento de criar a função de gestor para a área onde a formiga produtiva e feliz, trabalhava.
O cargo foi dado a uma cigarra, que mandou colocar carpete no seu escritório e comprar uma cadeira especial.
A nova gestora cigarra logo precisou de um computador e de uma assistente (sua assistente na empresa anterior) para ajudá-la a preparar um plano estratégico de melhorias e um controle do orçamento para a área onde trabalhava a formiga, que já não cantarolava mais e cada dia se tornava mais chateada.
A cigarra, então, convenceu o gerente marimbondo, que era preciso fazer um estudo de clima. Mas, o marimbondo, ao rever as cifras, se deu conta de que a unidade na qual a formiga trabalhava já não rendia como antes e contratou a coruja, uma prestigiada consultora, muito famosa, para que fizesse um diagnóstico da situação.
A coruja permaneceu três meses nos escritórios e emitiu um volumoso relatório, com vários volumes que concluía : "há muita gente nesta empresa".
E adivinha quem o marimbondo mandou demitir?
A formiga, claro, porque ela andava muito desmotivada e aborrecida.
Autor desconhecido

Moral da história: Tenho certeza que você está pensando: "já vi esse filme em algum lugar!"

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Não vou me adaptar

Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia,
Eu não encho mais a casa de alegria.
Os anos se passaram enquanto eu dormia.
E quem eu queria bem me esquecia.

Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar.

Eu não tenho mais a cara que eu tinha,
No espelho essa cara não é minha.
Mas é que quando eu me toquei, achei tão estranho,
A minha barba estava desse tamanho.

Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar.

De: Nando Reis

sábado, 5 de dezembro de 2009

Olhos entreabertos

Vejo falsos beijos, escassos desejos, muitos deveres;
Vejo verdades escuras, abraços frouxos, carinhos guardados;
Vejo muito pessimismo, egoísmo, princípios excluídos;
Vejo vergonha, insónia, pouca luta e menos ainda vitória;
Vejo olhos sem brilho, sorrisos sem sons, lábios sem cor;
Vejo uma repetição do que não tem solução;
Vejo que a ordem exata perdeu a certeza;
Vejo novas fórmulas inventadas e as antigas apagadas;
Vejo pouca solução, e muita degradação;
Vejo joelhos no chão e pouca ação;
Vejo o medo do medo de ter medo;
Vejo desilusões chegando mais cedo;
Vejo mãos atadas e forças acabadas;
Vejo pouca vontade e muita maldade;
Vejo as falas fracas, e ouvidos surdos;
Vejo um grande absurdo e sou parte de tudo;
Vejo minha força, minha vontade, minha coragem, minha expectativa, minha parte na força da vida cair em desuso.
Vejo minhas ideias não corrompidas, excluídas, presas num baú da falta de oportunidade, vejo os vestígios de inteligência perderem espaço a falsidade e a esperteza.
Vejo muita realeza, pouca política e muita corrupção.
Vejo a grande confusão, o caos e uma multidão parada, inerte, sussurrando que tem fome.
E por medo de ter mais fome, perdem o próprio nome.
Vejo mais do que meus olhos desejam, e muito menos do que precisam.
E ainda ouço um sussurro débil: melhor ver tudo isso do que ser cego.
Concluo que nasci cega e só agora aprendo a enxergar, ainda assim estou com os olhos entreabertos, pois temo o que meus olhos ainda verão e meus ouvidos escutarão.
Temo mais pela pequena multidão.
Sara Almeida

O sonho da Margarida

Margarida era uma flor cândida e encantadora, vivia desgostosa e exausta no seu conformismo, ora queria bem sua vida ora mal queria fosse o que fosse.
Já estava habituada as manhãs intermináveis que as abelhas vinham lhe importunar com suaves picadelas, já não lhe parecia nada de especial como era quando ainda era pequenina.
Mas crescera e todas as festinhas em preto e amarelo das abelhas não lhe bastava.
Todos que viviam no jardim acostumaram-se a presença da Margarida que desde pequenina despertava muito cedo quando ainda escuro estava, sempre a espera do calor do sol e na certeza do luar ao anoitecer. E assim esbanjava sua graça por todas as estações.
Ela sempre soube sua condição de flor, apesar de ver que o único bálsamo de vida para suas companheiras era as tardes chuvosas de verão, não sentia-se realizada e estava a espera de algo novo e arrebatador.
Observava atentamente todos os seres que por ali passavam e gostava especialmente das Borboletas que lhe entendiam e traziam notícias de um mundo de cores e flores que ela nunca iria ter conhecimento. Só lamentava por elas viverem tão pouco, mas por outro lado chegou a conclusão que as borboletas eram felizes, pois além de infinitamente belas conheciam muito mais coisas em duas semanas do que ela em sua vida toda.
Margarida queria mesmo novidade, sonhadora queria ser amada, queria mais da vida, algo mais que o toque do orvalho matinal, mais do que o brilho ofuscante do sol, mais do que as brincadeiras das estrelas que até empurravam umas as outras fazendo-se estrelas cadentes a verem se a alegravam.
Todas essas coisas a deixavam feliz sim, sabia que vivia num ambiente agradável, não vivia presa a um vaso contando os dias da morte. Tinha calor, frio, chuva e sol, tudo na medida certa. Já estava a parecer-se com humanos que nunca satisfazem-se, lembrou-se da menina Ana que vez ou outra passeava por ali chorosa, a reclamar de uma vida tão bela quanto ela.
Pirilampos que passavam por ali, chateavam-se ao ver a bela flor, os olhos do dia, a murchar lentamente. Sabiam que era beleza singela da Margarida que encantava aquele jardim, e reuniram esforços múltiplos para trazer de volta aquela Margarida de outrora que dormia cedo e ao acordava esbanja felicidades. Os Pirilampos não queriam ver a bela flor sem o sono reparador, e como sabiam que Margarida gostava de conhecer tudo de diferente que existisse por aí, enviaram numa certa tarde um amigo especial que foi uma visita mais que especial para Margarida.
O Beija-flor veio aquele jardim sem saber ao certo que tipo de flor ali havia, mas de longe foi puxado pelo amarelo central da Margarida, mais parecia um pequeno sol, ou seria o reflexo do astro rei? O certo é que quanto mais se aproximava mais bela lhe parecia aquela flor, como pode viver até aquele momento sem ver aquele brilho.
Foi se aproximando lentamente, até encostar o seu longo bico no centro daquele amarelo ouro, ficou ali imóvel no ar, a “beijar” aquela que dali em diante passou ser a mais doce de todas as criaturas para ele.
A Margarida quando viu ao longe aquele pássaro pequeno e belo, com cores mais bonitas ainda que as das borboletas, a voar com graça e delicadeza, como um bailarino a dançar, pensou se seria real este ser indiscutivelmente perfeito. Ficou extasiada quando ele pairou sobre ela como se pedisse autorização para dar-lhe um beijo. Ficou trêmula com o toque do pássaro. E percebeu logo que algo novo passava dentro dela. O Beija-flor sugou todo o néctar da Margarida, nunca havia provado mais doce que isso, e em troca ofereceu a ela a beleza do seu amor e sua companhia.
Assim o sonho da Margarida realizou-se: ela encontrou o amor e é amada. Sentia-se a mais feliz das criaturas.
Todos os habitantes daquele jardim foram testemunhas deste encontro de beleza, era um amor diferente dos outros que ali nasceram.
Os Pirilampos apadrinharam o amor sublime do pássaro pela flor e velam todas as noites o sono da Margarida até o amanhecer e a chegada do Beija-flor.
A Margarida nunca mais ficou só. E o jardim cada vez mais belo com a graça da Margarida e o feitiço do Beija-flor.
Sara Almeida

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O caçador de borboletas

Vladimir recebeu muitas prendas no Natal, entre livros, discos, legos, jogos de computador, mas gostou sobretudo do equipamento para caçar borboletas. O equipamento incluía uma rede, um frasco de vidro, algodão, éter, uma caixa de madeira com o fundo de cortiça, e alfinetes coloridos. O pai explicou-lhe que a caixa servia para guardar as borboletas. Matam-se as borboletas com o éter, espetam-se na cortiça, de asas estacadas, e dessa forma, mesmo mortas, elas duram muito tempo. É assim que fazem os coleccionadores.
Aquilo deixou-o entusiasmado. Ele gostava de insectos mas não sabia que era possível coleccioná-los, como quem colecciona selos, conchas ou postais, talvez até trocar exemplares repetidos com os amigos.
Nessa mesma tarde saiu para caçar borboletas. Foi para o matagal junto ao rio, atrás de casa, um lugar onde se juntavam insectos de todo o tipo.
Já tinha apanhado cinco borboletas que guardara dentro do frasco de vidro, quando ouviu alguém cantar com uma voz de algodão doce – uma voz tão doce e tão macia que ele julgou que sonhava. Espreitou e viu uma linda borboleta, linda como um arco-íris, mas ainda mais colorida e luminosa.
Sentiu o que deve sentir em momentos assim todo o caçador: sentiu que o ar lhe faltava, sentiu que as mãos lhe tremiam, sentiu uma espécie de alegria muito grande. Lançou a rede e viu a borboleta soltar-se num voo curto e depois debater-se, já presa, nas malhas de nylon. Passou a para o frasco e ficou um longo momento a olhar para ela.
— Agora és minha – disse-lhe.
— Toda a tua beleza me pertence.
A borboleta agitou as asas muito levemente e ele ouviu a mesma voz que há instantes o encantara:
— Isso não é possível – era a borboleta que falava.
— Sabes como surgiram as borboletas? Foi há muito, muito tempo, na Índia. Vivia ali um homem sábio e bom, chamado Buda…
Vladimir esfregou os olhos:
— Meu Deus! Estou a sonhar?
A borboleta riu-se:
— Isso não tem importância. Ouve a minha história. Buda, o tal homem sábio e bom, achou que faltava alegria ao ar. Então colheu uma mão cheia de flores e lançou-as ao vento e disse: “Voem!” E foi assim que surgiram as primeiras borboletas. A beleza das borboletas é para ser vista no ar, entendes? É uma beleza para ser voada.
— Não! – disse Vladimir abanando a cabeça. — Eu sou um caçador de borboletas. As borboletas nascem, voam e morrem e se não forem coleccionadores como eu, desaparecem para sempre.
A borboleta riu-se de novo (um riso calmo, como um regato correndo, não era um riso de troça):
— Estás enganado. Há certas coisas que não se podem guardar. Por exemplo, não podes guardar a luz do luar, ou a brisa perfumada de um pomar de macieiras. Não podes guardar as estrelas dentro de uma caixa. No entanto podes coleccionar estrelas. Escolhe uma quando a noite chegar. Será tua. Mas deixa-a guardada na noite. É ali o lugar dela.
Vladimir começava a achar que ela tinha razão.
— Se eu te libertar agora – perguntou – tu serás minha?
A borboleta fechou e abriu as asas iluminando o frasco com uma luz de todas as cores.
— Já sou tua – disse – e tu já és meu. Sabes? Eu colecciono caçadores de borboletas.
Vladimir regressou a casa alegre como um pássaro. O pai quis saber se ele tinha feito uma boa caçada. O menino mostrou-lhe com orgulho o frasco vazio:
— Muito boa – disse.
— Estás a ver? Deixei fugir a borboleta mais bela do mundo.

De José Eduardo Agualusa
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