Num vestido preto, sapatos vermelhos, Nádia caminha desconsolada pela cidade.
Percorre as ruas onde cresceu, e não encontra nem o cheiro inesquecível dos jacintos com suas cores delicadas, naquele tempo toda varanda tinha seu vaso de jacinto.
Cada olhar que se abre emana lembranças suaves de sua vida, que já nem parece que foi sua.
Mal consegue imaginar de onde tirou a estúpida ideia de abandonar aquela vida simples e pessoas carinhosas em busca de novas experiências e pessoas diferentes. O tempo já não volta, mas não é forte o suficiente para apagar os bons sentimentos que guarda desse tempo tão distante.
Agora sua antiga casa já foi ocupada por uma mais moderna, no lugar do jardim deve ter um cimentado duro e cinzento, ela não sabe pois o portão antigo, de onde seu pai tantas vezes a gritava, foi substituído por um outro alto e bem fechado de modo a esconder a casa e a privacidade das pessoas. Que ironia privacidade era tudo que ela almejava, e agora vê-se só e privada de sentimentos e por vezes até de sentidos.
Olha na esquina e vê que a praceta com as árvores de copas altas a cobrirem os bancos, onde tantas vezes namorava Ulisses, agora dá espaço a uma igreja, mas ela nem foi capaz de ver que tipo de igreja é aquela, não importa. Nem o banco, nem as árvores, nem ela e nem Ulisses, nada disso é mais o mesmo. Tudo mudou, os anos passaram tão rapidamente, agora algumas rugas começam a dominar sua face e até seu coração. Uma lágrima escorre no rosto, ela pensa: será que Ulisses ainda lembra-se dela?
Pensa quantas pessoas neste mundo já fizeram como ela, deram um passo definitivo na vida pensando ser a melhor atitude a ser feita, e após tanto tempo perceber que a felicidade estava ali mesmo, no lugar de que tanto fugiu.
Nádia sempre quis ir para longe dali, queria que seus pais fossem modernos, liberais, menos caretas, como ela costumava dizer. Queria ter coisas que ali nunca teria, como um belo par de saltos altos vermelhos caros, que agora esta calçada. Um apartamento na capital, um automóvel do ano, amigos aos montes, e um namorado muito rico e romântico, não um como Ulisses que só almejava ter uma casa, um cão e dois filhos, isso para ela era pouco.
Agora que tem muito daquilo que tanto desejou, e que teve custos altos para ela, passou por cima de princípios nobres para alcançar a vida estável que tem, justo agora que poderia simplesmente seguir, não é capaz sente-se presa ao passado, presa as atitudes que praticou. Sempre colocou sua ideia de vida perfeita a frente de tudo e de todos, humilhou e traiu muitos amigos para subir na carreira, envergonha-se, apesar de não poder fazer nada quanto a isso. Parece que seu castigo é este remoer a dor sozinha, e caminhar escondida a noite pelo seu passado sem poder estar presente nem sonhar com um futuro, apenas lembrar, e imaginar como seria se tivesse ficado, se ouvisse a mãe, se aceitasse seus antigos amigos, e se respeitasse Ulisses como ele era: simples, humilde e feliz.
Já não há o que fazer, é órfã, nem sequer pode abraçar seus pais e pedir desculpas. Dos amigos nem se lembra o sobrenome, da família não sabe o paradeiro, e de Ulisses soube alguns anos atrás que casou-se e mudou-se para uma cidadezinha distante, e ela nem ousaria procurar por ele.
Nádia respira fundo, tem ressacas de saudades, sempre que volta ali sente-se impotente, a pior das criaturas, mas é a única maneira de recordar aquela Nádia destemida, talvez até inocente, que achava que a felicidade era cara, mas negociável. Enganou-se tantos anos, e agora acorda só e infeliz fica mais triste quando pensa que todo seu dinheiro não tem valor nenhum.
Caminha até o carro já descalça, com os sapatos vermelhos nas mãos, cansada de se destruir mais ainda, decide voltar para o seu apartamento, dizem que após uma noite de sono tudo muda, quem sabe pode acordar renovada e disposta a se perdoar. A estrada é longa, mas Nádia adora a noite, e a lua cheia, com um brilho amarelado, ilumina o caminho.
Quanto mais distante fica de sua terra natal, mais cresce nela a vontade de ser feliz novamente, essa não foi a primeira vez que Nádia abandona um dia de trabalho, pega a estrada e vaga por aquela cidade em busca do eu perdido. Não será preciso uma noite de sono, a noite por si só acalenta, ela decide repentinamente que essa foi a última vez que apertou a própria ferida como se fosse merecedora apenas do sofrimento.
Entra para o conforto do seu apartamento e deita-se disposta a trancar bem no fundo de si tudo aquilo que viveu e principalmente tudo o que fez. Se continuar assim só será capaz de continuar errando, e isso já é fardo pesado demais para uma mulher elegante como ela. Reconheceu seus desatinos, agora é só resgatar o que há de bom ali em algures, se teve força para tantas maldades, que requer muita atenção, também conseguirá ser boa, lembra-se que é bem mais simples, pois basta deixar a vida acontecer, puro e simplesmente.
Ainda tem uns bons anos para viver, se continuar entregue ao arrependimento, nos próximos tempos não terá nem lembranças e a solidão já foi castigo longo, então ri de si própria, deve haver mais como ela, se redimirá para ser diferente, afinal temos que aprender com nossos erros. Finalmente adormece num sono pesado, acorda leve, ainda não está feliz, mas calça seus sapatos preferidos e dá o primeiro passo para a felicidade.
Sozinha, como sempre, compra um vaso e planta jacintos, logo chegará a primavera e Nádia colherá o que plantou.
Percorre as ruas onde cresceu, e não encontra nem o cheiro inesquecível dos jacintos com suas cores delicadas, naquele tempo toda varanda tinha seu vaso de jacinto.
Cada olhar que se abre emana lembranças suaves de sua vida, que já nem parece que foi sua.
Mal consegue imaginar de onde tirou a estúpida ideia de abandonar aquela vida simples e pessoas carinhosas em busca de novas experiências e pessoas diferentes. O tempo já não volta, mas não é forte o suficiente para apagar os bons sentimentos que guarda desse tempo tão distante.
Agora sua antiga casa já foi ocupada por uma mais moderna, no lugar do jardim deve ter um cimentado duro e cinzento, ela não sabe pois o portão antigo, de onde seu pai tantas vezes a gritava, foi substituído por um outro alto e bem fechado de modo a esconder a casa e a privacidade das pessoas. Que ironia privacidade era tudo que ela almejava, e agora vê-se só e privada de sentimentos e por vezes até de sentidos.
Olha na esquina e vê que a praceta com as árvores de copas altas a cobrirem os bancos, onde tantas vezes namorava Ulisses, agora dá espaço a uma igreja, mas ela nem foi capaz de ver que tipo de igreja é aquela, não importa. Nem o banco, nem as árvores, nem ela e nem Ulisses, nada disso é mais o mesmo. Tudo mudou, os anos passaram tão rapidamente, agora algumas rugas começam a dominar sua face e até seu coração. Uma lágrima escorre no rosto, ela pensa: será que Ulisses ainda lembra-se dela?
Pensa quantas pessoas neste mundo já fizeram como ela, deram um passo definitivo na vida pensando ser a melhor atitude a ser feita, e após tanto tempo perceber que a felicidade estava ali mesmo, no lugar de que tanto fugiu.
Nádia sempre quis ir para longe dali, queria que seus pais fossem modernos, liberais, menos caretas, como ela costumava dizer. Queria ter coisas que ali nunca teria, como um belo par de saltos altos vermelhos caros, que agora esta calçada. Um apartamento na capital, um automóvel do ano, amigos aos montes, e um namorado muito rico e romântico, não um como Ulisses que só almejava ter uma casa, um cão e dois filhos, isso para ela era pouco.
Agora que tem muito daquilo que tanto desejou, e que teve custos altos para ela, passou por cima de princípios nobres para alcançar a vida estável que tem, justo agora que poderia simplesmente seguir, não é capaz sente-se presa ao passado, presa as atitudes que praticou. Sempre colocou sua ideia de vida perfeita a frente de tudo e de todos, humilhou e traiu muitos amigos para subir na carreira, envergonha-se, apesar de não poder fazer nada quanto a isso. Parece que seu castigo é este remoer a dor sozinha, e caminhar escondida a noite pelo seu passado sem poder estar presente nem sonhar com um futuro, apenas lembrar, e imaginar como seria se tivesse ficado, se ouvisse a mãe, se aceitasse seus antigos amigos, e se respeitasse Ulisses como ele era: simples, humilde e feliz.
Já não há o que fazer, é órfã, nem sequer pode abraçar seus pais e pedir desculpas. Dos amigos nem se lembra o sobrenome, da família não sabe o paradeiro, e de Ulisses soube alguns anos atrás que casou-se e mudou-se para uma cidadezinha distante, e ela nem ousaria procurar por ele.
Nádia respira fundo, tem ressacas de saudades, sempre que volta ali sente-se impotente, a pior das criaturas, mas é a única maneira de recordar aquela Nádia destemida, talvez até inocente, que achava que a felicidade era cara, mas negociável. Enganou-se tantos anos, e agora acorda só e infeliz fica mais triste quando pensa que todo seu dinheiro não tem valor nenhum.
Caminha até o carro já descalça, com os sapatos vermelhos nas mãos, cansada de se destruir mais ainda, decide voltar para o seu apartamento, dizem que após uma noite de sono tudo muda, quem sabe pode acordar renovada e disposta a se perdoar. A estrada é longa, mas Nádia adora a noite, e a lua cheia, com um brilho amarelado, ilumina o caminho.
Quanto mais distante fica de sua terra natal, mais cresce nela a vontade de ser feliz novamente, essa não foi a primeira vez que Nádia abandona um dia de trabalho, pega a estrada e vaga por aquela cidade em busca do eu perdido. Não será preciso uma noite de sono, a noite por si só acalenta, ela decide repentinamente que essa foi a última vez que apertou a própria ferida como se fosse merecedora apenas do sofrimento.
Entra para o conforto do seu apartamento e deita-se disposta a trancar bem no fundo de si tudo aquilo que viveu e principalmente tudo o que fez. Se continuar assim só será capaz de continuar errando, e isso já é fardo pesado demais para uma mulher elegante como ela. Reconheceu seus desatinos, agora é só resgatar o que há de bom ali em algures, se teve força para tantas maldades, que requer muita atenção, também conseguirá ser boa, lembra-se que é bem mais simples, pois basta deixar a vida acontecer, puro e simplesmente.
Ainda tem uns bons anos para viver, se continuar entregue ao arrependimento, nos próximos tempos não terá nem lembranças e a solidão já foi castigo longo, então ri de si própria, deve haver mais como ela, se redimirá para ser diferente, afinal temos que aprender com nossos erros. Finalmente adormece num sono pesado, acorda leve, ainda não está feliz, mas calça seus sapatos preferidos e dá o primeiro passo para a felicidade.
Sozinha, como sempre, compra um vaso e planta jacintos, logo chegará a primavera e Nádia colherá o que plantou.
Sara Almeida
Sempre haverá uma primavera, na verdade. Sempre haverá.
ResponderEliminarSigo passando, Sara! Um bom ano para vós portugueses!
Nadia é só mais um personagem atônito dentro do conturbado mundo dos desesperançados do amor.
ResponderEliminarMundo tomado por aqueles que esqueceram do carinho que poderia ter sido dado, e não conseguiram perceber que não deram.
Havia falta de tudo, e um vasinho na janela não fará a primavera dos tempos de outrora. Só o tempo é o verdadeiro senhor da verdade...
E por falar em amor e verdade, a cachorrinha já foi adotada por nós mesmos, e chama-se Minie.
Bom é perceber o quanto os animais irracionais são reconhecidos e gratos, ao receberem um minímo de amor e carinho.
Inté...
Sarita querida, já tinha muitas saudades tuas, mas já estou de volta, para voltar a devorar tudo o que escreves. AQUELE BEIJÃO ESPECIAL DE TODOS OS DIAS.
ResponderEliminarVocê está atualizada e bem mais bonita na foto.
ResponderEliminarE a pintinha no queixo deixa sua marca resgistrada
Eu tenho me surpreendido com a minha própria postura pegando animais maltratados que ninguém quer para dar-lhes a dignidade que eles merecem.
ResponderEliminarE vejo claramente, o quanto eles são reconhecidos com o minímo de carinho. A Minie pode estar distante o que for, mas basta chamá-la que ela vem toda feliz com seu rabinho balançando e apontando para o céu.
São essas coisas que me fazem desacreditar no ser humano, mesmo sendo um sujeito otimista ao extremo.
ps. Postei algo novo enquanto fazia o comentário.
Menina!! Que texto é esse?! Acredito que seja o sonho de muitas mulheres viver o que Nádia viveu. Eu por exemplo me encaixo. Já sonhei, e ainda sonho muito com a minha independência,financeira e emocional.
ResponderEliminarO emocional é impossível, mas temos esperanças de um dia conseguir.
Adorei o teu texto.