terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O caçador de borboletas

Vladimir recebeu muitas prendas no Natal, entre livros, discos, legos, jogos de computador, mas gostou sobretudo do equipamento para caçar borboletas. O equipamento incluía uma rede, um frasco de vidro, algodão, éter, uma caixa de madeira com o fundo de cortiça, e alfinetes coloridos. O pai explicou-lhe que a caixa servia para guardar as borboletas. Matam-se as borboletas com o éter, espetam-se na cortiça, de asas estacadas, e dessa forma, mesmo mortas, elas duram muito tempo. É assim que fazem os coleccionadores.
Aquilo deixou-o entusiasmado. Ele gostava de insectos mas não sabia que era possível coleccioná-los, como quem colecciona selos, conchas ou postais, talvez até trocar exemplares repetidos com os amigos.
Nessa mesma tarde saiu para caçar borboletas. Foi para o matagal junto ao rio, atrás de casa, um lugar onde se juntavam insectos de todo o tipo.
Já tinha apanhado cinco borboletas que guardara dentro do frasco de vidro, quando ouviu alguém cantar com uma voz de algodão doce – uma voz tão doce e tão macia que ele julgou que sonhava. Espreitou e viu uma linda borboleta, linda como um arco-íris, mas ainda mais colorida e luminosa.
Sentiu o que deve sentir em momentos assim todo o caçador: sentiu que o ar lhe faltava, sentiu que as mãos lhe tremiam, sentiu uma espécie de alegria muito grande. Lançou a rede e viu a borboleta soltar-se num voo curto e depois debater-se, já presa, nas malhas de nylon. Passou a para o frasco e ficou um longo momento a olhar para ela.
— Agora és minha – disse-lhe.
— Toda a tua beleza me pertence.
A borboleta agitou as asas muito levemente e ele ouviu a mesma voz que há instantes o encantara:
— Isso não é possível – era a borboleta que falava.
— Sabes como surgiram as borboletas? Foi há muito, muito tempo, na Índia. Vivia ali um homem sábio e bom, chamado Buda…
Vladimir esfregou os olhos:
— Meu Deus! Estou a sonhar?
A borboleta riu-se:
— Isso não tem importância. Ouve a minha história. Buda, o tal homem sábio e bom, achou que faltava alegria ao ar. Então colheu uma mão cheia de flores e lançou-as ao vento e disse: “Voem!” E foi assim que surgiram as primeiras borboletas. A beleza das borboletas é para ser vista no ar, entendes? É uma beleza para ser voada.
— Não! – disse Vladimir abanando a cabeça. — Eu sou um caçador de borboletas. As borboletas nascem, voam e morrem e se não forem coleccionadores como eu, desaparecem para sempre.
A borboleta riu-se de novo (um riso calmo, como um regato correndo, não era um riso de troça):
— Estás enganado. Há certas coisas que não se podem guardar. Por exemplo, não podes guardar a luz do luar, ou a brisa perfumada de um pomar de macieiras. Não podes guardar as estrelas dentro de uma caixa. No entanto podes coleccionar estrelas. Escolhe uma quando a noite chegar. Será tua. Mas deixa-a guardada na noite. É ali o lugar dela.
Vladimir começava a achar que ela tinha razão.
— Se eu te libertar agora – perguntou – tu serás minha?
A borboleta fechou e abriu as asas iluminando o frasco com uma luz de todas as cores.
— Já sou tua – disse – e tu já és meu. Sabes? Eu colecciono caçadores de borboletas.
Vladimir regressou a casa alegre como um pássaro. O pai quis saber se ele tinha feito uma boa caçada. O menino mostrou-lhe com orgulho o frasco vazio:
— Muito boa – disse.
— Estás a ver? Deixei fugir a borboleta mais bela do mundo.

De José Eduardo Agualusa

5 comentários:

  1. "Quem tentar possuir uma flor, verá sua beleza murchando. Mas quem apenas olhar uma flor num campo, permanecerá para sempre com ela." Amiga Sara esta frase de Paulo Coelho ilustra bem todas esssas belas palavras. Lindíssimo. AQUELE BEIJINHO SEMPRE TÃO ESPECIAL DE TODOSOSDIAS.

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  2. Linda estória... A borboleta cativou o garoto e deixou-se cativar po ele!

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  3. Já é de longa data que noto -por experiência própria- a vida abrindo portas para todos aqueles que possuem um bom coração. Porque Deus mora em nosso intimo e cita ordens para que possamos usufruir do melhor do explendor do maravilhoso.

    E se acreditarmos que o impossivel existe, que Deus axiste, aí sim, teremos o que nenhum ser vivente poderia -nem de longe- acreditar que pudesse existir.

    E pessoas que alcançam o impossível do anacreditável do maravilhoso costumam ficar calados como o menino fez diante do questionamento do seu próprio pai.

    É difícil de acreditar em felicidade, pois fecicidade é a separação de todas as alegrias que poderíamos ter das tristezas possíveis. E é dessa forma que se configura a eternidade.

    A eternidade somos nós mesmos que construímos.

    "Na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira".

    Johann Goethe.


    Cumprimentos.

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  4. É difícil não ler algo desse nível e não se comover. Lindo, lírico, cativante. Poucos serão os que podem ter uma experiência tão gratificante com a literatura quanto esta.

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  5. Olha que lindo! Adoro historinhas assim, inocentes, com grande significado. Lembrou essa: http://www.viaki.com/home/pensamentos/amor.php
    O menino compreendeu o verdadeiro significado do amor. :)
    beijinhos escarlates!

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