sábado, 5 de dezembro de 2009

Olhos entreabertos

Vejo falsos beijos, escassos desejos, muitos deveres;
Vejo verdades escuras, abraços frouxos, carinhos guardados;
Vejo muito pessimismo, egoísmo, princípios excluídos;
Vejo vergonha, insónia, pouca luta e menos ainda vitória;
Vejo olhos sem brilho, sorrisos sem sons, lábios sem cor;
Vejo uma repetição do que não tem solução;
Vejo que a ordem exata perdeu a certeza;
Vejo novas fórmulas inventadas e as antigas apagadas;
Vejo pouca solução, e muita degradação;
Vejo joelhos no chão e pouca ação;
Vejo o medo do medo de ter medo;
Vejo desilusões chegando mais cedo;
Vejo mãos atadas e forças acabadas;
Vejo pouca vontade e muita maldade;
Vejo as falas fracas, e ouvidos surdos;
Vejo um grande absurdo e sou parte de tudo;
Vejo minha força, minha vontade, minha coragem, minha expectativa, minha parte na força da vida cair em desuso.
Vejo minhas ideias não corrompidas, excluídas, presas num baú da falta de oportunidade, vejo os vestígios de inteligência perderem espaço a falsidade e a esperteza.
Vejo muita realeza, pouca política e muita corrupção.
Vejo a grande confusão, o caos e uma multidão parada, inerte, sussurrando que tem fome.
E por medo de ter mais fome, perdem o próprio nome.
Vejo mais do que meus olhos desejam, e muito menos do que precisam.
E ainda ouço um sussurro débil: melhor ver tudo isso do que ser cego.
Concluo que nasci cega e só agora aprendo a enxergar, ainda assim estou com os olhos entreabertos, pois temo o que meus olhos ainda verão e meus ouvidos escutarão.
Temo mais pela pequena multidão.
Sara Almeida

3 comentários:

  1. A escravidão nunca deixou de existir, apenas mudou suas vestes ao longo do tempo, trocando o manto pesado manto negro da opressão pelas modernas camisetas da sutileza.

    Passou o tempo, como tudo passa na vida, e a escravidão modernizou-se, transformando-se na sutileza das camisetas de novos padrões, novas cores, novo formato, com palavras de ordem free, soft, live, e outras expressões que as tormaram populares.

    Muitos cansaram de correr o tempo todo atrás das mesmas coisas que correram todas as pessoas que já se foram, sem ao menos saber que eram escravas.

    Respire fundo, você é escrava, porque antes de ter nascido seus pais -assim como os meus- também eram escravos cativos do sistema.

    "Não é possível libertar um povo, sem antes, livrar-se da escravidão de si mesmo. Sem esta, qualquer outra será insignificante, efémera e ilusória, quando não um retrocesso. Cada pessoa tem sua caminhada própria. Faz o melhor que puderes. Sê o melhor que puderes. O resultado virá na mesma proporção de teu esforço. Compreende que, se não veio, compete-te a ti (a mim e a todos) modificar as tuas (nossas) técnicas, visões, verdades, etc."

    Mahatma Gandhi.

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  2. Não tema, Sara. Abra os seus olhos o máximo que puder, e apure seus ouvidos também, atine para suas sensações. PRecisamos estar fortes, muito fortes, para mudarmos o mundo.
    Sigo passando.
    Bj!

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  3. Incrível como tem gente que vai passar pelo mundo e não vai ser capaz de sentir nada dele. Você, ao contrário, o sente pulsando em cada fibra de seu ser, seja sentindo a sua beleza - beleza essa que você expressa em seus poemas e contos - seja as suas contradições e dores.

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