segunda-feira, 17 de maio de 2010

Tristeza permitida

Se eu disser pra você que hoje acordei triste, que foi difícil sair da cama, mesmo sabendo que o sol estava se exibindo lá fora e o céu convidava para a farra de viver, mesmo sabendo que havia muitas providências a tomar, acordei triste e tive preguiça de cumprir os rituais que faço sem nem prestar atenção no que estou sentindo, como tomar banho, colocar uma roupa, ir pro computador, sair pra compras e reuniões – se eu disser que foi assim, o que você me diz?
Se eu lhe disser que hoje não foi um dia como os outros, que não encontrei energia nem pra sentir culpa pela minha letargia, que hoje levantei devagar e tarde e que não tive vontade de nada, você vai reagir como? Você vai dizer “te anima” e me recomendar um antidepressivo, ou vai dizer que tem gente vivendo coisas muito mais graves do que eu (mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza), vai dizer pra eu colocar uma roupa leve, ouvir uma música revigorante e voltar a ser aquela que sempre fui, velha de guerra.
Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é mais um que não tolera a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o primeiro sintoma.
Não sorriu hoje? Medicamento.
Sentiu uma vontade de chorar à toa? Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra.
A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido. Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente – as razões têm essa mania de serem discretas.
“Eu não sei o que meu corpo abriga/ nestas noites quentes de verão/ e não me importa que mil raios partam/ qualquer sentido vago da razão/ eu ando tão down...” Lembra da música? Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer.
Pois é, pega mal. Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara.
“Não quero te ver triste assim”, sussurrava Roberto Carlos em meio a outra música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais.
Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for.
Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia. Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar.
Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos.
Martha Medeiros

3 comentários:

  1. Bom dia amiga Sara.

    Pelo visto escolheste um texto que vai de encontro as palavras de uma pessoa que está mais avante no tempo do que nós. Casada a muito tempo, mãe de filhos, e de vida farta. www.pratudoficarbem.blogspot.com
    Eis o texto de sua autoria escolhido:

    O tempo vai passando e eu vou me perdendo. Me perdendo dentro das coisas que sinto e que guardei bem escondidas num lugar que não ouso mexer. Foi num piscar de olhos. Foi de um jeito que nem percebi, quando tudo perdeu a graça.

    Tinha brilho nos olhos.

    Tinha uma postura diferente.

    Tinha cuidado comigo mesmo.

    Tinha esperança de tantas coisas.

    Deixei pra trás. Parece que morri um pouco de uns tempos pra cá.

    Essa coisa de viver um dia de cada vez e simplesmente viver. Entende?

    Sem grandes expectativas. Sem grandes acontecimentos. Viver para sobreviver....

    É isso...

    Tem sido isso...

    Tem sido assim....

    E eu achava que a minha vida seria diferente...

    Mas...

    Hoje, um sorriso vindo não sei de onde e um calor (está muito frio) que invadiu meu coração, me fez por alguns minutos voltar a sentir aquela coisa que a gente chama de F E L I C I D A D E!

    ................

    Há vezes que de fato é necessário "curtirmos" o estado de desanimo que faz parte dos sentimentos humanos. Mesmo que pessoas à nossa volta queiram ver alegrias estampadas em nossos olhos.

    É legal poder ver-se, estar consigo mesma, pois faz parte do famoso "crescimento" espiritual poder examinar-se. É normal estar mal, principalmente quando sabemos que tudo é temporal na passagem da vida.

    Lembro que disseram-me que tudo na vida é passageiro menos o cobrador e o motorista, e certo dia afirmei esse fato à um amigo com idade avançada que respondeu-me: Esse dito popular é bem mais antigo, e vem do tempo do bonde onde para lhe dar tração havia um operador que chamavam de motorneiro e se dizia: "Tudo na vida é passageiro menos o motorneiro."

    E de fato
    Tudo passa...
    O tempo passa
    A vida passa
    Eu passo
    Com o passo no compasso
    Com o passo em descompasso
    E passam os anos
    Os amores, os planos,
    Os dissabores, os desenganos...
    Em passo lento
    Em passo apressado...
    E eu passo
    E a vida passa
    E o tempo passa
    E tudo passa!...


    Bjos.

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  2. Olá Sara!Assim que comecei a ler esse texto (ia dizer "seu post", mas vi a assinatura no final) pensei em Vinícius. Em vários de seus escritos, deixa transparecer uma certa aceitação/ necessidade da tristeza, dando a esta um certo charme. Na música em questão, em que ele diz "É melhor ser alegre que ser triste; alegria é a melhor coisa que existe..." ele completa "...MAS pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, senão não se tem um samba, não..." ;) Beijos!

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  3. A tristeza não é bem vida.
    Você conhece os bons amigos por enxugarem a suas lágrimas ou te reconfortar em momentos ruins.
    Mas também aquele que não te deixa ter esse momento de tristeza pode ser também seu amigo que não aguenta ver uma luz que brilha muito esvaecendo em nenhum momento. De repente tu com as tuas cores vibrantes pode ser uma inspiração pra ele(a). Se essa pessoa te ver triste pode sentir que nada esta indo certo, por que alguém que vive rindo de repente fica triste.

    Essas tristezas repentinas sem motivo aparente combinam geralmente com um dia frio, e nessas horas é melhor você ficar com você mesma. É a hora em que teu EU grita e diz: "Ei! Chega de vida social, em dá atenção por um dia"

    Aí você para e se ouve, procura revisar tudo que viveu e então vê que muitas coisas que você esta vivendo não esta saindo como você queria, e aí PUM, você fica tristonha, mas logo a vida chama e você se rende. Graças a Deus!

    Espero que essa sua "tristeza" já esteja no fim.

    Beijos.

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