quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Labirinto das maravilhas

Não sou Alice, nem vivo no país das maravilhas. Mas vejo maravilhas e vivo tantas outras.
Apesar de todos os dias ser jogada nas tocas, nos buracos e confins do viver, não encontro coelhinho fofinho algum, até encontro uns orelhudos com garras enormes prontos a atacar qualquer criatura com um mínimo de esperteza. E não se pode ter a esperteza criativa de Alice, tem que ser algo mais maldoso, algo como esperar o pior sempre, e não importa a quão rápida eu seja, pareço sempre estar atrasada.
As brincadeiras e enigmas infantis ficam mais distantes a cada passo, muitas vezes até tento me esconder em baixo da terra, mas não posso ficar lá por muito tempo, pois meu chapeleiro maluco e adorável me acorda, traz o chá, me sacode e tenho que seguir.
Não sou Alice, mas ando a mudar de tamanho a cada novo dia sem comer nada diferente, se me machucam cresço imenso, fico mesmo gigante e brava demais, se me agradam fico pequenina, tão pequenina que caibo dentro de um coração. Meu tamanho depende, e meu vestido também, nem sempre posso andar assim arranjadinha como a Alice, porque as vezes quero atirar meus sapatos para o alto, ou correr das tagarelices alheias. Nunca soube que desejassem cortar minha cabeça, mas sempre querem cortar meu pensamento.
Não sou Alice, mas tenho uma vida surreal. Personagens ilusórios aparecem e desaparecem de repente, lagartas que nunca chegam a borboletas, borboletas azuis sábias que de tão lindas parecem nunca terem sido lagartas. Gatos pardos, gatas de todas as cores e de muitas vidas. Rainhas perfeccionistas por todo o lado, feias ou bonitas, nunca enxergam aquilo que realmente é, e Reis submissos ou autoritários, tem de tudo.
Não sou Alice, mas minha vida é um labirinto, cada passo um novo conto, cada erro aumenta um ponto, os acertos nunca conto. Vivo abrindo fechaduras que não devia, e me vejo de muitas maneiras. As vezes quando acordo vejo que muita coisa pode não parecer ser o que é, mas o que é de certa maneira na maioria dos casos não tem como mudar, não existe tribunal para mudar a verdade de lado, a verdade é só uma.
Adormeço de um jeito e acordo de outro jeito, posso ser de qualquer jeito e adaptar a um jeito qualquer.
Não sou Alice, mas acordo todos os dias de sonhos diversos, bonitos, tristes, malucos, realistas, e sempre com a certeza de que quero cair num novo buraco qualquer e viver um sonho fantástico, ainda que sempre esteja sujeita as mais inusitadas situações e a conviver com criaturas peculiares e enigmáticas.
Não sou Alice, mas posso viver um sonho real todos os dias, que maravilha!
Sara Almeida

5 comentários:

  1. Quando li "Alice no País das Maravilhas" percebi que Lewis Caroll não falava de um lugar imaginário, mas na verdade se referia à sociedade em que vivia. Recorrendo à alegorias ele foi a fundo na dificuldade que as pessoas parecem ter em entender umas às outras.

    Nessa alucinante viagem, por lugares estranhos e na companhia de criatura impensáveis, Alice tem que resolver diversos problemas, sozinha , e para voltar para casa, buscar a saída dessa espécie de labirinto aparentemente insano que é o País das Maravilhas.

    Mas, se observarmos com cuidado, percebe-se que o País das Maravilhas não é muito diferente do mundo real. Tirando o fato dos seres de lá serem cartaz e animais falantes, ao analisarmos seus atos, percebemos que são como os atos ditos normais das pessoas até hoje, mesmo aqui do outro lado do Atlântico e tantos anos depois.

    Pessoas levemente insanas, que agem de forma um tanto sem sentido, se agridem, se tratam mal, participam de jogos sem objetivos, vagam sem rumo e fazem ameaças que geralmente não cumprem.

    Assim também não somos nós?
    Infelizmente parece que sim...

    E o Gato então? Ele aparece e desaparece, faz o que bem entende e não pode ser capturado. Apesar de dizer que todos são loucos, inclusive ele mesmo, na verdade o bichano parece ser o único sensato, além de Alice. Ele é o único que parece entender o que está acontecendo plenamente, além de ser praticamente onipresente e interferir nos acontecimentos sem ser afetado pelos outros.

    É um país de maravilhas este que Alice visita? Ou apenas um país normal? Bom, uma coisa que é diferente, para Alice, é que ela está só. Não há adultos responsáveis para lhe dizer o que fazer, como ela estava acostumada. Ela tem que resolver tudo sozinha.

    No início ela tenta seguir a lógica passada por seus pais, como ler o rótulo antes de beber de um frasco. Mas logo ela vai formando uma maneira própria de agir, se adequando ao mundo em que ela está.

    Em certos momentos ela se cansa da loucura e incoerência das pessoas daquele lugar. Acontece que normalmente uma criança não tem que se envolver nas loucuras dos adultos, nos problemas e conflitos, permanecendo protegida. Será mesmo?
    E por aqui?

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  2. Continua...

    Quantas crianças tem que se virar sozinhas, sejam elas abandonadas ou apenas mau cuidadas por pais relapsos? Elas tem que trabalhar, pedir, e acabam roubando e se drogando.

    Enfrentam, enfim, as loucuras da cidade e a confusão e violência dos adultos, tendo ou não habilidade para aguentar esse fardo, assim como Alice. Mas nestes casos não se trata de um sonho e o final normalmente não é feliz.

    Alice se depara com "pessoas" que agem de forma estranha. Ela não entende o que eles querem. Por que o Coelho tem tanta pressa? E o Chapeleiro e a Lebre, o que fazem afinal? E qual é o objetivo do jogo de críquete com a Rainha? E como podem jogar de forma tão confusa? E o julgamento então, que sentido tem?

    Mas se fizermos uma analogia ao nosso mundo, que eu chamaria de "País dos Absurdos", veríamos algo muito diferente disso?

    Quantas notícias inacreditáveis vemos diariamente na TV. E pessoas agindo de forma estranha e incompreensível, que vemos constantemente pela cidade?

    Outro dia me deparei com uma estranha senhora, que apelidei cá para mim de "louca das vassouras". Já outras vezes me deparei com esta estranha figura, que anda de ônibus carregando sempre uma ou mais vassouras, ás vezes só o cabo, andando sem parar, de lá para cá, no ponto de ônibus, dando um chega para lá em quem se colocar no seu caminho. Depois, quando chega o ônibus ela tem que ser a primeira a entrar, ocupa dois assentos e fica resmungando todo o caminho.

    Lewis Caroll realmente escreveu um livro profundo, que permite uma série de reflexões, mesmo após um século e meio. Ele fala da dificuldade das pessoas em se entender mutuamente, e isso é atemporal e acontece em todos os lugares. Nos faz pensar realmente, e isso é muita coisa.

    Lembro que certa vez participei de um grupo de estudos freudiano, formado por alunos da faculdade objetivo, e num dado momento uma colega perguntou ao coordenador do grupo o que seria considerada uma pessoa normal dentro da nossa sociedade. Ele respondeu: "Ao meu ver ser normal é ter uma ou outra neurose mais comum à todos"

    É obvio que o sentimento de solidão exarceba dentro do "labirinto das loucuras" e é sobretudo na solidão que se sente a vantagem de viver com alguém que saiba pensar.

    Obrigado pelo seu comentário.

    Lis.

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  3. Olá Sara...

    Quero agradecer-te pelo último comentário, e sobretudo salientar que o seu blog Essência Abstrata ou Idéias-assoltas, é uma projeção inteiramente e absolutamente sua.

    Explico: Há pessoas que se armam de mil teorias, postam-nas como se fossem íntimas, e no entanto estão num abismo de distância em adotá-las para si. Um bom exemplo é o www.blogrenataeuedai.blogspot.com. Lá é possível ser Alice no país das maravilhas, porém sem saída alguma.

    Simplicidade é também ter muito conteúdo para si próprio, e poder adotá-lo de forma única e prática nas realizações dia-à-dia.

    Um fator importante para que o sentido prático surja é o exercício da inteligência, que muitos não tem a menor idéia do que realmente seja.

    Não há nada na nossa inteligência que não passe primeiro pelos sentidos. Conhecer os outros é inteligência, conhecer a si próprio é verdadeira sabedoria. Controlar os outros é força, controlar-se a si próprio é que é o verdadeiro poder.

    Grato pelas suas palavras...
    E bom percurso de semana!

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  4. Pensando bem é mesmo terrível para um intelectual ver-se cercado de idiotas. Acho que é por esse o motivo que Romain Rolland mencionou que homem que é sério tem de aprender a ficar sozinho no meio de todos, a pensar sozinho por todos, e se necessário, contra todos.

    É fato, que estamos cercados de pessoas que dizem que pensam... E como avaliar o fato? Tenho por costume despejar palavras como todo mundo faz... Pelo fato da presença das pessoas automáticas... Dos idiotas.

    Dificilmente noto existência de percepção do outro lado, o que faz de mim um debochado, gozador e preguiçoso, mas infelizmente improdutivo de raciocinío presente.

    É sempre aquela mesma idiotice dos efeitos que batem e nunca voltam. É por essa razão que de fato, estar cercado como uma ilha por idiotas, é a pior das solidões para um intelectual.

    E quanto mais se pensa, mais sózinho se fica. Dado ao efeito robótico que rege a vida dos desprovidos de raciocínio.

    A depressão pode vir não quererendo ser um pensa-dor...

    "Soltem os prisioneiros
    Soltem os prisioneiros
    Por todo o mundo
    Há prisioneiros
    Por todo o mundo

    Soltem os prisioneiros do Rio de Janeiro
    De Lisboa, Porto, Ofir, Aveiro
    Guimarães, Faro, S. Paulo e Timor
    Soltem os prisioneiros do ódio e do amor
    Me solta, eu sou inocente
    Arranca essa mordaça, quebra essa corrente
    Essa mordaça que ninguém vê
    Essa mordaça que ninguém sente...

    Soltem!
    Soltem!
    Libertem-nos!...

    Soltem os prisioneiros
    Soltem os prisioneiros
    Por todo o mundo
    Há prisioneiros
    Por todo o mundo

    Eu tô sem ar, feito num peixe num aquário
    Sem sair do lugar, feito um presidiário
    Hã! Pelo que disseram lá no dicionário
    Eu acho que me deram liberdade ao contrário
    Nós somos livres pelo avesso
    Mas o sangue é mais forte que o mar
    Navegar é preciso, e a liberdade tem seu preço
    Então me prende, pra eu me poder soltar...

    Soltem!
    Soltem!
    Libertem-nos!...

    Soltem os prisioneiros
    Soltem os prisioneiros
    Por todo o mundo
    Há prisioneiros
    Por todo o mundo

    Em busca da verdade correm viajantes
    Em busca da verdade ficam prisioneiros...
    Em busca do amor dormem os amantes
    Em busca do amor ficam prisioneiros".

    Gabriel Pensador.

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  5. Seja bem vinda, Sara.


    Volte sempre que quiser.


    Um beijo

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