Sentada no chão, pincela cada unha com o esmalte preferido, vermelho como vinho tinto, aquela cor das unhas parece aquecer o frio do inverno chuvoso.
Um raio de sol entra pela janela, sem os cortinados que ela deseja comprar, parece ouvir um barulho e vai ao pé da janela.
Ao levantar esbarra no esmalte que derrama ao chão, ignora, ela segue para janela, parece ouvir um canto adocicado como o dos sanhaços que tinha no quintal em sua infância.
Mas é claro que não havia pássaro algum naquela varanda em frente a linha de comboios, nem mesmo pombos ficavam por perto devido ao suporte com o fim de espantá-los.
Fecha a janela, e percebe que não foi a visita do pássaro que pousou em sua janela, na verdade foi visitada por uma doce lembrança.
Lembrança de tudo aquilo que um dia ouviu e sentiu.
Aquilo do que fugiu, que teima reencontrá-la.
Nunca esquece do que viu ou do que viveu, apenas mudou, e sabe que o passado não era tão belo como as pessoas teimam em dizer.
Lembra-se das boas coisas, e também não esquece das más situações.
Olha para o chão e vê mais uma marca deixada por sua desatenção: uma mancha vermelha no tapete. Pensa em limpar e arranjar a desorganização, mas o relógio acusa que o dever espera. Veste um vestido cinzento-escuro, mas escolhe um casaco branco, as lembranças deixaram-na mais leve, na face pálida uma cor discreta nas maçãs, um rímel preto nos olhos e um batom suave.
Sai apressada, o dia será longo, tem demasiadas coisas a fazer, muito que aprender e tanto para viver. Decide aproveitar este dia que daqui uns tempos será apenas lembrança.
Não importa o tapete manchado, a sala quase vazia por decorar, está mais preocupada em viver plenamente além da janela descortinada e gerar boas lembranças para um dia sentar e ter o que contar.
Sara Almeida
Estou "a admirar" a leveza do seu texto. Viajei... pra um lugar bom. Mesmo.
ResponderEliminarBjs que atravessam fronteiras além-continentes!
Já me disseram que o mundo é um pega-pra-capar muito grande. Se você não saí para defender um espaço, termina por ficar sem o dito cujo. Sem os frascos dos esmaltes, sem o sofá velho, sem pendurar até aquele quadro velho sem a parede.
ResponderEliminarQuem poderá negar que ficamos "orfãos" quando caímos no mundo? Desamparados, consternados, sempre na luta globalizada? É a "opção" que temos quando nascemos.
Até lembrei de uma estória entre um gato e um rato que me contaram faz algum tempo atrás, que elucida muito bem o que desejo dizer-te...
Depois de ser perseguido pelo gato por um bom tempo, o rato esconde-se em uma toca e fica ali durante horas.
Até que, ao ouvir latidos de cachorro, achou que o gato tivesse ido embora e saiu para passear...
Contudo, assim que enfiou a cabeça pra fora, foi pego pelas garras afiadas do gato.
— Anh? O que é isso? Você imita latidos? — perguntou espantado.
E o gato:
— Meu amigo: Neste mundo globalizado quem não fala duas linguas morre de fome!