terça-feira, 6 de abril de 2010

Pequenos Gestos

Não nasci com asas, mas o céu já era meu quando virava a cabeça e o avistava por entre as árvores. A minha mãe diz que aprendi a subir às árvores mesmo antes de começar a andar: ainda gatinhava quando os meus pais apanharam o primeiro susto. Eu subia às árvores com a minha irmã Matilde, ficávamos horas e horas escondidos lá em cima a espiar o mundo, enquanto os outros miúdos tentavam subir ou se conformavam em trepar árvores mais baixas. Gostávamos de nos pendurar nos ramos e de ficar a balançar para a frente e para trás como se fosse um trapézio. Por vezes saltávamos de uns ramos para os outros, tal e qual como faziam os macacos que vinham ao nosso terreno roubar fruta das árvores. Eu perseguia-os por entre os ramos e eles pareciam rir-se na minha cara. Ou talvez pensassem que eu era um macaco como eles, apenas de uma espécie diferente, da espécie que usa calções vai à escola. O meu pai lia muito, ao serão, depois do jantar. Romances e livros de filosofia. A filosofia sempre foi a sua paixão. A filosofia e o mar. De manhã cedo, via-o a sair para praia com a prancha de surf debaixo dos braços. Durante as férias ao aos fins de semana ia com ele, e foi assim que aprendi a fazer surf ao mesmo tempo que coleccionava letras e números. O mar e o céu vivem de mãos dadas no horizonte. São como siameses que o universo separou para que a terra pudesse existir. Sou mais feliz dentro de água ou acima da terra, e por isso decidi, no cimo das árvores que um dia ia ser piloto e sobrevoar o Mundo. Sempre quis viajar, conhecer todos os continentes, aprender várias línguas, viver em muitas cidades até descobrir um lugar perfeito onde o mar e o céu se encontrem sempre com o meu olhar. Uma terra tranquila sem guerras e com sol, um segredo escondido que não venha em nenhum mapa e onde não tropece em turistas de chinelos caros e chapéus de palhaço rico. O que eu nunca pensei, minha pequena fada que me esperas ao final da tarde numa casa branca cujas janelas se encontram com o horizonte em que ao siameses se juntam, é que posso voar em terra e mergulhar nas ondas sempre que te vejo, posso chegar ao céu sem ligar os reactores e deslizar sobre as águas com a perfeição dos pequenos gestos. Não sei se é a isto que os deuses chamavam amor, mas cada vez que chego e tu me abres o portão para me deixar entrar no teu corpo e no teu coração, sinto que todos os elementos estão sob o mesmo tecto. O teu corpo é como uma concha, o teu olhar como um rio; os teus braços uma ilha e o teu peito a minha casa.Não sei de que é feito o amor, nunca descobri o seu segredo, mas sei que ando lá perto, que perto de ti, nos mais pequenos gestos, há uma espécie de amor que transpira no ar e transborda como uma onda e que me atira para aquele lugar perfeito que só existe no meu coração.

Margarida Rebelo Pinto, maio de 2008.

2 comentários:

  1. Olá Sara...

    É interessante como a vida reserva-nos muitas coisas boas. A liberdade é um bem precioso, e todo e qualquer movimento que conceda-nos no boas lembranças no futuro será sempre bem vindo.

    Independentemente das coisas boas que desejamos viver há também em contra partida, muitas coisas ruins. Acho que tudo é válido, mas tem uma coisa que ao meu ver deve ser a pior delas. É quando um coração repleto de liberdade não encontra ninho para aconchegar-se, pousar.

    E pensando neste assunto, emendando este texto com o texto anterior, vejo que tens o dom de ser precavida em relação a ninho, pois conheço pessoas que escondem a chave debaixo do capacho, enquanto você já tem lugar que dá menos bandeira.

    ResponderEliminar
  2. Eu fui viajando com cada verbo incandecente deste texto. Maravilha quando pessoas conseguem fazer uso das palavras para nos soprarem ao ar mais leves que o vento.

    Bjs Sara!

    ResponderEliminar

BlogBlogs.Com.Br