quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

pequenos dilemas

No carro (parte I)
-Descobri a vocação da minha vida.
-ai ai, e o que será desta vez?
Ela responde com grande satisfação:
-Quero ser radialista!
-hahahahaha.
Um longo silêncio toma conta do espaço.
-Porque não poderia ser radialista? Quero falar para as pessoas ouvirem, adoro falar!
-não dá amor, você tem a voz estridente demais, a sério radialista não pode ser.
Ela, tristemente responde:
-Mataste meu sonho no momento do nascimento. Você é que não é bom ouvinte.
-desculpe lá, não era isso, mas já ouviste com atenção a voz das radialistas?
-Sim, e depois?
-são vozes gostosas de se ouvir.
Como se ser radialista fosse só isso.
-Ah, eu posso ir a fonologia e ficar afinadinha, tudo tem jeito, não achas?
-esquece isso, você pode ser uma outra coisa qualquer.
-Já sei posso ser muda daqui para frente!
-amor, amor, amor, não faz isso, fala comigo...
Ela cala pensativa, tenta perceber se tem essa voz enjoativa e nunca notou, sempre fala sem parar, fica triste a pensar que pode ter sido inconveniente o tempo todo. Olha triste para ele, já o desculpou mas ele não precisa saber.
Pelo caminho todo o único som que se ouve é a voz da radialista preferida, que não se cala para “abafar” a confusão.
E ele, numa tentativa de se redimir, tenta acarinhar os cabelos dela, ela ignora, olha pela janela do carro e até sorri escondida pensando que "era melhor quando a gente andava de bicicleta, rsrs".
Sara Almeida

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Labirinto das maravilhas

Não sou Alice, nem vivo no país das maravilhas. Mas vejo maravilhas e vivo tantas outras.
Apesar de todos os dias ser jogada nas tocas, nos buracos e confins do viver, não encontro coelhinho fofinho algum, até encontro uns orelhudos com garras enormes prontos a atacar qualquer criatura com um mínimo de esperteza. E não se pode ter a esperteza criativa de Alice, tem que ser algo mais maldoso, algo como esperar o pior sempre, e não importa a quão rápida eu seja, pareço sempre estar atrasada.
As brincadeiras e enigmas infantis ficam mais distantes a cada passo, muitas vezes até tento me esconder em baixo da terra, mas não posso ficar lá por muito tempo, pois meu chapeleiro maluco e adorável me acorda, traz o chá, me sacode e tenho que seguir.
Não sou Alice, mas ando a mudar de tamanho a cada novo dia sem comer nada diferente, se me machucam cresço imenso, fico mesmo gigante e brava demais, se me agradam fico pequenina, tão pequenina que caibo dentro de um coração. Meu tamanho depende, e meu vestido também, nem sempre posso andar assim arranjadinha como a Alice, porque as vezes quero atirar meus sapatos para o alto, ou correr das tagarelices alheias. Nunca soube que desejassem cortar minha cabeça, mas sempre querem cortar meu pensamento.
Não sou Alice, mas tenho uma vida surreal. Personagens ilusórios aparecem e desaparecem de repente, lagartas que nunca chegam a borboletas, borboletas azuis sábias que de tão lindas parecem nunca terem sido lagartas. Gatos pardos, gatas de todas as cores e de muitas vidas. Rainhas perfeccionistas por todo o lado, feias ou bonitas, nunca enxergam aquilo que realmente é, e Reis submissos ou autoritários, tem de tudo.
Não sou Alice, mas minha vida é um labirinto, cada passo um novo conto, cada erro aumenta um ponto, os acertos nunca conto. Vivo abrindo fechaduras que não devia, e me vejo de muitas maneiras. As vezes quando acordo vejo que muita coisa pode não parecer ser o que é, mas o que é de certa maneira na maioria dos casos não tem como mudar, não existe tribunal para mudar a verdade de lado, a verdade é só uma.
Adormeço de um jeito e acordo de outro jeito, posso ser de qualquer jeito e adaptar a um jeito qualquer.
Não sou Alice, mas acordo todos os dias de sonhos diversos, bonitos, tristes, malucos, realistas, e sempre com a certeza de que quero cair num novo buraco qualquer e viver um sonho fantástico, ainda que sempre esteja sujeita as mais inusitadas situações e a conviver com criaturas peculiares e enigmáticas.
Não sou Alice, mas posso viver um sonho real todos os dias, que maravilha!
Sara Almeida

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Pedaços de tudo

Sendo a morte uma eternidade de nada, a vida que é o contrário da morte deve ser uma eternidade de tudo.
Morrer é perder tudo, viver é perder nada.
Então resta-me lutar para viver, afinal nada se perde em viver.
Viver o tudo que a vida tem a oferecer, antes que morrer e nada ter a fazer.
Hoje é uma fatia do tudo que venho juntando estes anos todos, e a fatia de hoje é tão pequena comparada a tudo que vem por aí a fora.
É preciso grande força nesta busca não pode haver esmorecimento, se depois de tudo que viver ainda me restar consciência, quando estiver perto da eternidade do nada, de nada me arrependerei, pois do nada fiz tudo e para o nada tudo é muito.
Sou um nada que pode fazer de tudo.
Sara Almeida

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Me faz bem

Para falar, eu canto
Quero que saiba o quanto
Me faz bem
Me faz bem
Me faz bem
É sempre assim, perfeito
Você de qualquer jeito
Me faz bem
Me faz bem
Me faz bem
Basta ver
O reflexo dos seus olhos
Bem nos meus
Com esse calor que deu para entender
Que o coração não mente
Que afortunadamente
Me faz bem
Me faz bem
Me faz bem
Para falar, eu canto
Quero que saiba o quanto
Me faz bem
Me faz bem
Me faz bem
Basta ver
O reflexo dos seus olhos
Bem nos meus
Com esse calor que deu para entender
Que o coração não mente
Que afortunadamente
Me faz bem
Me faz bem
Me faz bem
Jorge Drexler

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Passeio no tempo

Ela sempre quis uma boleia no tempo
Quando ele parecia não passar por ela
Todos ao seu redor a reclamar dele
Tudo que ela sempre quis era correr no tempo
Mal sabia que ia na garupa sem capacete
Ele ali firme a guia-la no seu grosso modo
Nem assinou contrato com ele, as coisas ficaram logo definidas
Nem sabia que uma vez na garupa já não podia descer
A velocidade é rápida e o ar por vezes sufoca
Mas não existe alternativa tem que relaxar e seguir
Não que seja sempre mal, as vezes parece até emocionante
Ela volta e meia olha para trás, a estrada longa é capaz de ver
A sua frente não se enxerga quase nada
Apenas uns contornos nebulosos de onde o tempo pode leva-la
Agarra nele e segue, por vezes chove, ou faz sol, nunca se sabe
E aí percebe que não queria mesmo embarcar nesse itinerário
O tempo usou de malandragem com ela
Provocou-a com ideias aliciantes do futuro
Ela inocente o desejou, mas a verdade e que a decisão sempre foi dele
Era dele e de ninguém mais, foi assim com ela, é assim com todos
Agora já sabida toma a única decisão inteligente: deixar o vento soprar
E que o tempo passe demorado e bem depois a deixe em algum lugar
É assim com todos, é o que há de se esperar
Sara Almeida

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

era luz, não estrela

poderias ser uma grande personagem. mais uma personagem em minha vida. só mais uma e talvez de uma importância extrema e pura. a personagem só existe para servir a história que se quer contar. mas para mim uma nova personagem serve para sinalizar minha caminhada, como uma ave nova a equilibrar a formação, para acrescentar a busca pelas boas coisas da vida.
mas nem para isso serves. não contas em minha vida. talvez em minha vida não vale a pena seres descrita. não respeitas-te meu direito de ser eu, de ser diferente da maioria, nunca respeitas-te o modo como enxergo demais, como penso demais, e como sou de menos. foste só mais uma das muitas iguais a você, e és menos uma daquelas que não respeita meu modo de ser. sou apenas mais uma, apenas uma pequena fagulha, e percebi tudo desde o inicio. este é único momento que estas presente nas minhas entrelinhas. daqui para frente serás apenas um modelo a não seguir. existe muitos personagens além de ti, existem estrelas. eras luz, e se apagou. daqui para frente não escrevo sobre ti.

Sara Almeida

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Além da janela

A sala mal decorada, um único sofá, um quadro fora de moda ainda não pendurado.
Sentada no chão, pincela cada unha com o esmalte preferido, vermelho como vinho tinto, aquela cor das unhas parece aquecer o frio do inverno chuvoso.
Um raio de sol entra pela janela, sem os cortinados que ela deseja comprar, parece ouvir um barulho e vai ao pé da janela.
Ao levantar esbarra no esmalte que derrama ao chão, ignora, ela segue para janela, parece ouvir um canto adocicado como o dos sanhaços que tinha no quintal em sua infância.
Mas é claro que não havia pássaro algum naquela varanda em frente a linha de comboios, nem mesmo pombos ficavam por perto devido ao suporte com o fim de espantá-los.
Fecha a janela, e percebe que não foi a visita do pássaro que pousou em sua janela, na verdade foi visitada por uma doce lembrança.
Lembrança de tudo aquilo que um dia ouviu e sentiu.
Aquilo do que fugiu, que teima reencontrá-la.
Nunca esquece do que viu ou do que viveu, apenas mudou, e sabe que o passado não era tão belo como as pessoas teimam em dizer.
Lembra-se das boas coisas, e também não esquece das más situações.
Olha para o chão e vê mais uma marca deixada por sua desatenção: uma mancha vermelha no tapete. Pensa em limpar e arranjar a desorganização, mas o relógio acusa que o dever espera. Veste um vestido cinzento-escuro, mas escolhe um casaco branco, as lembranças deixaram-na mais leve, na face pálida uma cor discreta nas maçãs, um rímel preto nos olhos e um batom suave.
Sai apressada, o dia será longo, tem demasiadas coisas a fazer, muito que aprender e tanto para viver. Decide aproveitar este dia que daqui uns tempos será apenas lembrança.
Não importa o tapete manchado, a sala quase vazia por decorar, está mais preocupada em viver plenamente além da janela descortinada e gerar boas lembranças para um dia sentar e ter o que contar.
Sara Almeida
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