
...porque quem ama pode fazer tudo ou nada juntos e ser feliz mesmo assim!
“É com a palavra que pensamos. Teríamos de ser muito pretensiosos para acreditar que contemos dentro de nós belezas inefáveis que a palavra não é digna de exprimir." {Jean-Paul Sartre}
Quando me mostraram o mapa do mundo, ainda muito criança, fiquei completamente extasiada, e mal conseguia acreditar que aquela imensidão caberia no meu pensamento, achava minha cabeça muito pequena para imaginar tantos lugares que existem.
Minha fala não interessa…meu sorriso não brilha…não tenho sequer beleza…nada do que há em mim remete sentimentos desconcertantes, nada tenho…mas minha alma pulsa, cada vez que as palavras se agrupam em meus pensamentos, ali nasce um sonho meu e aí não me interessa nada que pensem de mim, não me interessa o que o espelho conta, meus pés tomam caminhos próprios e eu realizo, eu falo, eu giro…cada vez que matam um pedacinho de mim, minha alma adormece até que volte a ter o poder e transformá-lo em palavras, e assim nunca morro, embora tentem me esmagar só fico mais forte, bem grande, e flutuo no meu caminhar leve e pensamentos pulsantes, tudo sou…sou assim mais forte que penso, mais leve que sonho!
Sou aquilo que só eu vejo, aquilo que sobra do que sinto.
Não nasci com asas, mas o céu já era meu quando virava a cabeça e o avistava por entre as árvores. A minha mãe diz que aprendi a subir às árvores mesmo antes de começar a andar: ainda gatinhava quando os meus pais apanharam o primeiro susto. Eu subia às árvores com a minha irmã Matilde, ficávamos horas e horas escondidos lá em cima a espiar o mundo, enquanto os outros miúdos tentavam subir ou se conformavam em trepar árvores mais baixas. Gostávamos de nos pendurar nos ramos e de ficar a balançar para a frente e para trás como se fosse um trapézio. Por vezes saltávamos de uns ramos para os outros, tal e qual como faziam os macacos que vinham ao nosso terreno roubar fruta das árvores. Eu perseguia-os por entre os ramos e eles pareciam rir-se na minha cara. Ou talvez pensassem que eu era um macaco como eles, apenas de uma espécie diferente, da espécie que usa calções vai à escola. O meu pai lia muito, ao serão, depois do jantar. Romances e livros de filosofia. A filosofia sempre foi a sua paixão. A filosofia e o mar. De manhã cedo, via-o a sair para praia com a prancha de surf debaixo dos braços. Durante as férias ao aos fins de semana ia com ele, e foi assim que aprendi a fazer surf ao mesmo tempo que coleccionava letras e números. O mar e o céu vivem de mãos dadas no horizonte. São como siameses que o universo separou para que a terra pudesse existir. Sou mais feliz dentro de água ou acima da terra, e por isso decidi, no cimo das árvores que um dia ia ser piloto e sobrevoar o Mundo. Sempre quis viajar, conhecer todos os continentes, aprender várias línguas, viver em muitas cidades até descobrir um lugar perfeito onde o mar e o céu se encontrem sempre com o meu olhar. Uma terra tranquila sem guerras e com sol, um segredo escondido que não venha em nenhum mapa e onde não tropece em turistas de chinelos caros e chapéus de palhaço rico. O que eu nunca pensei, minha pequena fada que me esperas ao final da tarde numa casa branca cujas janelas se encontram com o horizonte em que ao siameses se juntam, é que posso voar em terra e mergulhar nas ondas sempre que te vejo, posso chegar ao céu sem ligar os reactores e deslizar sobre as águas com a perfeição dos pequenos gestos. Não sei se é a isto que os deuses chamavam amor, mas cada vez que chego e tu me abres o portão para me deixar entrar no teu corpo e no teu coração, sinto que todos os elementos estão sob o mesmo tecto. O teu corpo é como uma concha, o teu olhar como um rio; os teus braços uma ilha e o teu peito a minha casa.Não sei de que é feito o amor, nunca descobri o seu segredo, mas sei que ando lá perto, que perto de ti, nos mais pequenos gestos, há uma espécie de amor que transpira no ar e transborda como uma onda e que me atira para aquele lugar perfeito que só existe no meu coração.
ao pé de mim nada, absolutamente nada, se encaixa. tudo é um imenso desencaixe perfeito. sozinha não tenho bom feitio, é preciso sintonia. decididamente indecisa, dominada por uma ansiedade escancarada, rabisco a parede desta casa para ela ficar bonita o suficiente para caber minha história dentro dela… e claro sempre fica a aberta a janela, no caso de esquecer a chave, sempre posso entrar por um lugar diferente daquele pelo qual sai. esta casa agora tem minha cara, mas minha mala fica arranjada, qualquer pensamento novo, corro e apanho o primeiro voo para qualquer cidade do mundo...ou passo uma noite a beira da praia, e no outro dia a ansiedade talvez me traga de volta até porta ou a janela…por enquanto vou pintar com giz de cera um mar e um sol, de repente apetece ficar por cá mesmo.